30 de mar. de 2013

Da vontade que eu tenho de dizer tudo isso

Se quiser eu até juro. Eu queria muito escrever um poema como os que li quando criança. Em que alguém declarava seu amor em rimas perfeitas, nas linhas certas. Cada linha possuía uma palavra certa, um sentimento exato. Mas como já era de se esperar, comigo é diferente. Sempre será.

Posso te amar desse jeito meio torto, meio doido, mas amo. Posso amar sem assumir, sem te dizer isso todos os dias, mas amo. Te amo em todas as vezes que saio de repente, sem despedir-me direito. Eu te amei quando fiquei encostada no portão te vendo correr pra longe, com medo de nunca mais te ver e restar apenas a visão daquela fuga. Eu já te amei e ainda amo. Você está em cada átomo, e isso basta. Você é aquele cara do livro que comecei a ler. Você é cada um e nenhum deles.

Você é. E está.

Há dias você não aparece aqui. Mas você está em frente ao portão toda vez que estou na janela. Está sentado na garagem da minha casa toda vez que chego lá. Você está encostado na mesa verde que já nem existe mais. Doeu ver a mesa no lixo, lembrei de você. A mesa foi pro lixo, as lembranças e os sentimentos ainda estão aqui. As porcarias das lembranças que tanto gosto de lembrar.

Ainda estamos rindo lá na garagem, basta voltar no tempo pra ver. E eu lá calada, feito uma idiota. Com o pensamento rondando céus e infernos, escrevendo textos que me sustentariam para o resto da vida. Relembrando palavras, e erros dos quais eu não me arrependo. Eu quis muito dizer que te amava, assim, no passado. Mas você está presente demais nesse meu presente que começou em dezembro e que não vai acabar nunca. Sei que nada é eterno, e você me faz pensar uma coisa diferente a cada minuto. De qual inferno você saiu, hein? Eu sei, foi daquele lugar que chamam de paraíso.

Você só veio enlouquecer minhas loucuras, fazer dos meus textos uns eternos clichês amorosos, da minha alma um troço bagunçado. Mas olha, não estou reclamando. Nunca gostei de organização mesmo. Pode continuar bagunçando. Só me diz alguma certeza, pelo amor das minhas palavras. Se não disser nada, reza. Mas reza muito. Eu te amo e sei que você entendeu.

Just like me, they long to be close to you...

"Boa tarde, amor." 

Falava Ana Clara, confessava tudo ao vento na esperança de que ele pudesse ouvir algo. De onde ele surgiu? Com seus olhos de chocolate translúcido e a mente de um menino quase depressivo, quase revoltado. Ela sorrindo com o sol, com o vento quente. Sorrindo com a cidade barulhenta e o som doce do piano, vozes doces cantavam pra ela. Enquanto ele estava fazendo qualquer coisa em qualquer lugar. Que ela pensava nele era certeza. Mas ele lembrava dela quando uma brisa fria soprava, quando começava a chover? Incertezas de um coração fortemente apaixonado. Pobre alma...

Era linda naquele short grande demais, com aquele cabelo totalmente desgrenhado. "Fui uma lady em outras vidas, agora sou apenas uma louquinha de alma leve por algumas horas, pesada demais vez ou outra. Maluca..." Cantarolava ela no meio da rua, chorando sem motivos, sorrindo sem motivos. E o choro misturava-se com o sorriso sincero de quem nunca conheceu a infelicidade. Com as lágrimas de quem já morreu depois de tanto sofrer. Menina mais ambígua não há.

Vez ou outra odiava o mundo, mas o amor sempre vencia. "Vai começar uma guerra, sabia?" Dizia ela pra quem quisesse ouvir. E chorava por isso, e odiava as mentes pequenas que queriam guerras. Mas depois esquecia, precisava ser leve pra voar pra qualquer lugar. E pendurava-se na janela, com os olhos virados para as estrelas, pra lua redondamente redonda. Sussurrava um "eu te amo", já quase sem voz, de tanto que gritou pro mundo. E o amava mesmo, era louca de ciúmes. Esmurrava o travesseiro, as paredes ou qualquer outra coisa de tanta raiva, mas não deixava ninguém saber de tais loucuras.

Acordava com uma vontade imensa de dormir pra sempre. Mas levantava com um salto, quase gritando de alegria por ser seu último dia de vida. Sim, morreria e deixaria seus escritos pra quem não queria ler. Morreria por estar de saco cheio desse mundo. Não iria fazer falta mesmo. Teria mesmo que morrer hoje. Afinal, renascerá amanhã no final da tarde.

25 de mar. de 2013

No estilo Tomas de ser


Isso aqui acabará virando um diário, sério mesmo. Sem ressentimentos. Eu estou em mais uma daquelas fases deprês que tenho, sabe? No estilo Tomas de ser, na janela, olhando os prédios (ou seria o prédio?). No meu caso é a casa vazia e abandonada. Esse ano se superou no quesito problemas amorosos. Nesse ano o amor - paixão, paixonite; denomine como quiser - não foi imaginário ou simples paquera fracassada, hehe. Então, eu sei que escrevo coisas poéticas de uma forma razoável. Mas estou sem paciência. Só com projetos e mais projetos na minha cabeça. E medo. Muito medo de que droga irá acontecer no futuro. Eu sei, preciso de remédios urgentemente. Mas não vou tomar.

Queria saber o que diabos uma garota de - quase - quinze anos faz se perguntado se tudo dará certo, se eu não deveria ter me dedicado mais e blá. Pois é, eu tenho crise dos trinta aos quinze. Imagina nos trinta, meu povo. Olho demais pro futuro, eu sei. Mas eu pedi pra nascer com esses genes? Claro que não. 

Tô lendo quatro livros de uma vez. Estou estudando pro Enem, quero passar AGORA. Amigos voltaram a falar comigo. Voltaram a me ligar e passar duas horas falando ao telefone. Vou fazer curso de Química. Continuo não entendendo Matemática. Continuo querendo parar de escrever. Ainda me imagino sendo uma velha fracassada trabalhando em lanchonete até o fim da vida. Quem encontrar algum sentido na frase anterior, por favor, me avise.

Acho que é só isso, precisava desabafar. E não vou jogar tudo isso na cabeça de outro ser humano. Eu me aguento, o resto do povo não conseguirá fazer o mesmo.

21 de mar. de 2013

Vinte e um...

Vinte e um de março, hoje. Vinte e um de fevereiro, ontem. Vinte e um é o inverso de doze. Doze, meu número de sorte. Será vinte um meu número de azar? Não, não. É um número neutro, fruto das minhas ilusões, das minhas expectativas grandes demais. E agora eu só escrevo em primeira pessoa... E você nem se importa. Me joga no chão e me pisa todos os dias. Mesmo que seja nesse seu papel de sofredor. Não aguento mais suas dores, elas que originaram as minhas. Hoje seria um dia de festa, mas não é. O que fevereiro começou, março acabou. Foi tudo, menos verdadeiro.

20 de mar. de 2013

Lúcida

Sabe aqueles momentos em que você se sente lúcida? Pois é, estou num desses. É bom mandar o coração pros quintos dos infernos e lembrar do mais importante. Que eu estou em primeiro lugar, que meus sentimentos são mais importantes que os dos outros. Não que eu vá me tornar fria, longe de mim. Só não vou aceitar amores pela metade, amores que não são reais. Tenho mais com que me ocupar. Já disse Renato: "Não precisa vir/ se não for pra ficar/ pelo menos uma noite/ e três semanas." Paixões vem, e vão. A gente se machuca, diz que nunca mais vai querer amar (ou se apaixonar). Mas sempre aparece uma outra pessoa, e com as mesmas palavras nos conquista, pra depois nos machucar. Sabemos disso, mas quase ninguém deixa de procurar o tal amor pelas ruas, pelas esquinas das bibliotecas. Na verdade ninguém deixa, sempre resta aquela pontinha de esperança. Não há fórmula mágica. Só será diferente se souber escolher. Basta ter força, bater a poeira da roupa e dizer que vai mudar o rumo das coisas. E muda mesmo, mas se houver força entre as suas células. Caso contrário, você cairá na primeira tentação que aparecer.

19 de mar. de 2013

Skoob - minha estante virtual



Meme roubado da Gabriela. (Que tem um blog lindão.) Pois é, vi esse meme lá - em novembro - mas resolvi postar agora e não tenho explicações para isso, haha.
Então, vamos lá.

1. Quantos livros você tem na aba LIDO no Skoob?
Cinquenta e cinco. Sim, só esses. Mas li muito quando criança. (Estou lendo ainda mais.) E não consegui lembrar de todos. Memória, algo que eu não tenho.

2. Qual livro você está lendo?
Três.
O nome da rosa, do Umberto Eco. Mas parei porque tive que emprestá-lo, em breve voltarei a ler o exemplar lindão que tenho.
Machado de Assis para principiantes, organizado por Marcos Bagno. O livro é separado por dez temas (adultério, ceticismo, dinheiro, loucura, mulheres, política, sedução, ser & parecer, vaidade, humor), dentro de cada tema existem trechos extraídos de obras dele e um conto na íntegra. Ainda estou na parte da loucura, o livro é bem interessante, mas é parado demais. Pois é.
O lobo da estepe, de Hermann Hesse. Estou simplesmente apaixonada pelo livro. Só li 64 páginas, mas posso garantir que é ótimo. Um pouquinho parado no começo, mas depois que peguei a essência de toda a filosofia dele, passei a amar esse lindo com todas as minhas forças. Está aqui do meu lado, vai para os favoritos.

3. Quantos livros você tem na aba VAI LER?
Trinta e dois. Em constante atualização.

4. Você está relendo algum livro? Qual é?
Não oficialmente. Mas vez ou outra dou uma olhadinha nos livros que já li.

5. Quantos livros você já abandonou? Quais são eles?
Sete. Sim, tudo isso.
O restaurante no fim do universo, de Douglas Adams. Mas depois quero ler esse livro. É MUITO engraçado, não posso perder esse.
Cantos de Outono, de Ruy Câmara. O livro é MUITO chato e depressivo até demais. Começa com um suicídio, e prossegue com muito mimimi. Mas ainda vou terminar de ler esse livro, acreditem.
História & Sociologia, de Flavio Saliba Cunha. Não lembro o motivo do abandono.
A ilha misteriosa, de Julio Verne. Na época fiquei com preguiça de ler e larguei. Simples assim.
Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Na distante década em que eu estava lendo esse livro, um gato fez o favor de fazer xixi nele. Sim, isso aconteceu. Mas vi um exemplar lá na escola, talvez eu leia.
Eclipse, de Stephenie Meyer. Abandonado por motivos óbvios, acho que não necessita de explicações.
O encontro marcado, de Fernando Sabino. Abandonado por razões desconhecidas.

6. Quantas resenhas você tem cadastradas no Skoob?
Nenhuma. Estou com preguiça de fazer resenhas. Se eu criar alguma coragem posto aqui no blog.

7. Quantos livros avaliados você tem na sua lista?
Cinquenta e três. Procurando os que ainda não foram avaliados.

8. Na aba FAVORITOS, quantos livros você tem registrados? Cite alguns.
Quinze.
Marley e eu, de John Grogan. Esse livro marcou meu retorno ao mundo dos livros.
As meninas, de Lygia Fagundes Telles. Sou apaixonada pela escritora e guardo um amor inexplicável por esse livro.
O morro dos ventos uivantes, de Emily Brontë. Amei o amor de Heathcliff e Cathy. O amor que tudo destrói. Esse livro me fez sentir ódio, angústia, felicidade. Tudo junto. E no fim, acabei chorando por Heathcliff.
Papisa Joana, de Donna Woolfolk Cross. Fale nesse livro que meus olhos ficam rasos d'água. Sou apaixonada pela Joana, uma feminista revolucionária, que disfarçou-se de homem para chegar no cargo de Papa. Ou de Papisa. Assistam ao filme depois da leitura. É sim, bastante cortado, mas vale a pena.
O zahir, de Paulo Coelho. Livro que explica uma grande fase da minha vida. Literalmente apaixonada por cada palavra desse livro. Com ele me apaixonei por Paulo Coelho.
A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera. De todos os livros que li, esse foi o que mais me fez pensar. Pensar em tudo. É quase inexplicável, só lendo pra entender.

9. Quantos livros você tem na aba TENHO?
Vinte. Tenho mais alguns por aqui, em breve atualizarei.

10. Quantos livros você tem nos DESEJADOS?
Dois.
Helena, da Del Lang.
Ao norte de mim mesmo, do Gabito Nunes.

11. Quantos livros emprestados no momento? Quais?
Só um. O nome da rosa.

12. Você quer trocar algum livro? Quais são?
Não. Jamais. Tenho amor pelos meus livros, e não os troco por nada.

13. Na aba META, quantos livros você tem marcados? Cumpriu essa meta?
Tenho dez livros marcados. Já li um e estou lendo três. Mas não estou me obrigando a cumprir.

14. Qual é o número do teu paginômetro?
12.070.

15. Qual o link do teu perfil no Skoob?
Gleanne.

{ Pra Del e pra Mia. Não lembro se elas fizeram o meme, mas tá indicado. ;) }

12 de mar. de 2013

Ela só queria um refúgio...

Tarde quente, mas o vento é frio. A casa de estilo italiano é solitária, sem portas abertas. Está abandonada,  aquela menina queria comprá-la. Pertenceu a um padre que largou tudo para casar-se. O amor falou mais alto. A tal casa parece perdida, parece ter vindo de outro chão. Uma exceção entre as lojas, entre casas de outros estilos. Exceção entre todos os carros, e por estar vazia. A menina disse que queria ficar lá, e de lá  observar sua alma perdida. Dentro dessa casa existe uma biblioteca, talvez sem os livros. Mas há o espaço para uma biblioteca, e era lá que a menina queria ficar.

Deixei a moça entrar na casa que ninguém queria, eu era só um corretor de imóveis. A tal casa era cara demais e velha demais, ninguém queria investir em algo antigo. E a moça parecia um anjo, tinha um brilho dolorido nos olhos, um sorriso feliz demais. Um sorriso que não combinava com um par de olhos tão tristes. Seu nome era Ana Clara, e ela só olhava e sorria, não ligava para os meus elogios, nem para os elogios dos outros homens que encontramos na rua. Ela estava com um vestido longo, mas parecia andar nua, parecia mostrar a alma. Deixei com ela a chave e meu telefone, queria ouvir sua voz rouca mais uma vez e eu também precisava daquela chave. 

Lá ela era uma menina perdida, fugitiva do mundo, buscando um refúgio. A moça considerava a casa uma Pasárgada, caso ela existisse. "Aqui eu sou a verdadeira Ana Clara", me disse a moça com um sorriso triste. O espaço era empoeirado, me causava um pouco de alergia, mas consegui me habituar com o cheiro de vida morta. Lá estava ela caminhando com o vestido coral, quase transparente, parecia até uma roupa de fantasma. A moça possuía um magnetismo estranho e eu não consegui deixá-la sozinha. Fiquei longe, observando-a. 

Ana Clara parecia um anjo destruído, de pele pálida, olheiras ao redor dos olhos, unhas grandes pintadas de preto. As unhas quebravam o toque angelical dela, mostravam a ponta de revolta que habitava naquele coração machucado. O vestido era longo, a festa já estava terminada. E dentro do sonho ela sonhava. Sonhava com aquele que ela não podia ter. E contorcida de dor ela delirava, imaginava que ele também estava ali, entre as paredes daquela casa.

O vento agitava o vestido dela, mostrava os pés pequenos que já pisaram em tantas pedras, que já ficaram submersos em tantas lamas. Ana Clara estava deprimida, descobri isso por causa das ondas de lágrimas que iam e voltavam. E ela olhava os pulsos como se ali morasse um refúgio. Eles eram a porta da morte, caso ela desejasse. Mas ela não queria morrer, queria desaparecer de outra forma. Transformar-se em um anjo, uma deusa da mitologia grega, uma santa dos ciganos, uma hippie. Mas Ana Clara era ela em sua individualidade, era ela em sua alma sem explicação. Seria ela até que uma guerra resolvesse devastar o mundo e ela fosse só mais um corpo sem vida. E que mesmo assim se destacaria entre os outros, pois ela morreria sorrindo.

Ana Clara, tente esquecer desse passado. Tente apagar as coisas, nem é tão difícil assim. Só é difícil pra você, menina. Que se apaixona sem ser calculista, que se entrega por inteiro, que ama sabendo que acabará mais machucada do que antes. E que aparecerá outro alguém tentando remendar um coração de séculos de existência. Coração de um único amor realizado. Ah, o coração de Ana Clara. Chega a doer só de imaginar. E ninguém remenda seu coração, não é? Dá uma trégua, Ana Clara. Você deveria aceitar os que te prometem uma paixão tranquila, daquelas de tocar violão vendo o sol  poente. Mas você não quer, menina. Você é insistente, seu coração também. Só quer ele, e ele você não sabe se terá.

Aninha você está me seduzindo com sua dor. Por que escolheu essa casa? Eu estou aqui e você nem sabe, moça. Você aí, caminhando, inocente... Forçando a porta da biblioteca, espirrando por causa do mofo. Você soltou um palavrão e eu comecei a rir. Não combinava com ela, mas ela disse e eu aceitei. Ela me ouviu rir e olhou para onde eu estava. Um olhar quase perfurante, mas havia uma ponta de doçura ali. Eu sorri e fui até ela. Assustada, ela pegou um livro grande, mas eu pedi que tivesse calma. Peguei sua mão gelada de tanto medo, parecia mesmo a mão de um anjo; a minha era calejada. Ela perguntou a razão, eu disse: "Violão, meu bem. Toco desde que era um rapaz, só não prossegui por causa de meu pai." Um brilho dolorido se acendeu nos olhos dela, mas ela consegui sorrir e dizer: "Então é um poeta das cordas? Gosto de violões, são lindos. Mas meu dom é outro..." Falou e depois olhou para a janela aberta, não conseguia me encarar.

Fui falando da minha vida, e ela aos pouquinhos foi revelando a dela. Era estudante e escritora. Me falou das paixões que nunca passaram de olhares, do único amor. Era uma menina, mas tinha uma alma tão sofrida que parecia viver desde sempre. Já era noite e estávamos sentados naquela casa enorme e vazia. Ainda havia energia ali, acendemos as luzes. E falamos de nossas vidas abertamente, ela me aconselhava. Eu também a aconselhava, mas ela só sorria e balançava a cabeça negativamente. Eu arrisquei beijá-la, mas ela me afastou com as mãos empurrando meu peito e disse: "Isso seria uma traição..." Eu pedi explicações, então ela me contou a história de um rapaz que havia entrado em sua vida, mas que não a quis por infinitas razões. Ele estava com outra, mas ela ainda sofria por ele. E era por ele que chorava. Ela chorou no meu peito, quase desfalecendo, pensei até que morreria. Parecia tão frágil, tive medo de quebrá-la se a apertasse um pouco mais. Mas ela disse que sabia que sofrer daquele jeito não adiantaria de nada, ela só queria alguém pra remendar seu coração quebrado. Eu disse que me candidataria, e nós rimos. Foi a vez dela de pedir um beijo. E ela chorava, dizia que o fim dela estava próximo, por isso se daria ao luxo de se deixar levar em outros braços. Ela levantou-se de repente, me pegou pela mão e não disse nada. Eu a acompanhei, enquanto ela abria as portas e procurava um cômodo. Até que achou um quarto, o único que não estava empoeirado, parecia um milagre. Ela ficou na porta, pensando, distante dali. Eu entrei, puxei-a para dentro e a beijei até ficar tonto.

Ana Clara me olhou meio assustada, foi até a janela, ficou de costas e tirou o vestido enorme que se resumia a um círculo alaranjado no chão. Era meio irracional estar com ela, realmente parecia um espírito, era estranho e lindo ao mesmo tempo. Era alta, quase da minha altura, mas parecia pequena. Tinha asas tatuadas nas costas, uma estrela no tornozelo. Ela permaneceu de costas até que eu me aproximei e beijei suas asas. Agora prefiro calar, e dizer apenas que nos amamos naquele quarto quase fantasmagórico.

Quando pensei que ela acordaria ao meu lado, ela não estava lá. Havia saído, deixou só um bilhete: "O que há de melhor na vida acaba, passa depressa..." Procurei feito louco por ela, passei dois dias nessa busca. Até que vi estampado nos jornais, uma moça de asas tatuadas nas costas havia morrido atropelada, não havia sido identificada. Foi para o paraíso, minha Ana Clara, meu amor...

Só queria mesmo desabafar.

Onze de março de dois mil e treze. Fim de tarde. Fim de mundo.

Há dias eu tento escrever algo que seja mais ou menos o que eu estou vivendo. Consegui? Obviamente não. Eu travo, simplesmente travo quando tenho que falar sobre ele diretamente. Nunca vi alguém me fazer tanto bem e tanto mal ao mesmo tempo, sério. É um imã, um encosto, uma praga. (Mas eu amo o rapaz, gente.) Um  mar de incertezas para uma pessoa desajustada. Dessa vez Murphy caprichou. E só pra constar no atestado de óbito: eu odeio escrever assim, como se estivesse falando. Mas é a vida, assim ficará.

Eu queria alguém pra conversar, mas existem poucas pessoas nesse mundo pra quem eu falaria tudo que está acontecendo. Uma delas está curtindo as férias escolares, e essa é a única que me escutaria e diria: "Glen,você está ferrada."; a outra pessoa até conversa comigo, diz que tudo ficará bem, que em  poucos dias eu esquecerei o cara e bléh (mas eu NÃO vou esquecer o cara, quando o mundo entenderá isso?); por último e não menos importante: o esse cara sou eu da minha vida. Quisera eu mandá-lo ao inferno, chorar por, sei lá... quinze dias e esquecê-lo. Mas não dá. Ele é quem me deixa triste, e também é a pessoa que me tira da tristeza. Sem metáforas e sem ironias. Ele faz isso MESMO. O rapaz tem um dom. É um ariano que tem paixonites ferradas. (Parece até eu, né? Lindo isso.) Depressivo de vez em quando, de vez em sempre, de vez em toda hora. Tem uma queda pra escrever, mais poesias do que textos. Só que ele não assume isso, e também não enxerga que é por causa desse bendito dom de escrever (sem ironia) que a vida dele é ferrada. Todos nós somos ferrados, seja em alguns ou em todos os pontos possíveis. Vá escrever pra achar uma coisa, vá. Eu até aconselho, sabe? É lindo ver as pessoas descobrindo a existência de Murphy, e que ele é um demônio operante. (Só que não.)

Vou fazer quinze anos no fim do mês. Não que isso seja lá muita coisa, mas estou com medo do dia trinta e um. As aulas retornarão no dia vinte e cinco, voltarei para a minha linda biblioteca recheada de clássicos, cheirinho de mofo, chão limpinho, estantes lotadas, bibliotecária chata... Ah, na escola eu desabafo tudo com a única amiga que tenho lá, e isso é bom. Ruim mesmo é olhar pra cara do professor de matemática.

É isso, crianças. Só queria mesmo desabafar.

10 de mar. de 2013

Sobre uma música que joga o passado no presente

Eu sei muito bem o que você sentiu quando ouviu aquela música tocando, sei em quem pensou, sei quase tudo... Acredite, também tive vontade de chorar, tive vontade de desabar ali mesmo. E deixar que aquela droga de música depressiva entrasse nos meus poros como um vírus que infecta o sangue. Mas não, permaneci ali, forte. Forte por fora, só por fora. Não sei se você percebeu, mas eu enxuguei suas lágrimas, enxuguei várias e várias vezes o teu rosto. Enxuguei as lágrimas que não haviam caído, que não caíram na minha frente. Foi duro, eu tive muito medo naquela hora, foram os piores três minutos da minha vida. Só não foi pior por que você continuava ali, mesmo que a mente viajasse pelos mundos mais obscuros do teu passado. Sabe, eu só tenho medo do seu medo. Mas depois, outras músicas tocaram e o medo se dissipou, pelo menos aparentemente. E você voltou ao seu normal, o rosto procurando o meu, as mãos se entrelaçando mais uma vez, os olhos fechados como manda o figurino. Eu sei, não é fácil ser uma Ana Clara, assim como não é fácil ser um Maximiliano.

9 de mar. de 2013

Quando o passado deixa de fazer falta...


Hoje passei em frente a tua casa, quer dizer, do condomínio onde você mora. Passei apressada, e olhei pra lá, só pra não perder o costume. E lá estava você na janela, fumando um cigarro e soprando a fumaça para o infinito. Você me viu, como sempre via. Sorriu. E eu não sorri de volta. Não preciso mais do seu sorriso, por mais estranho que pareça. Não preciso mais da sua presença, da sua voz, nem das suas risadas musicais.

Mas já precisei um dia, se você quer saber. Já quis ser uma segunda pessoa naquela janela. Sentindo o cheiro detestável do teu cigarro, mas te admirando mesmo assim. Te ouvindo falar do gosto de todas as bebidas que você já não bebe mais. Ouvindo tuas idiotices, sentindo os músculos dos teus braços. Braços que eu desejei contornar com as pontas dos meus dedos. Desejei, desejei muito. Já quis me encontrar nos teus olhos, me perder do teu lado. Já quis ser tantas, me transformar em outra pra você. Mas agora não quero nada disso, faz parte de um passado distante. E é até bonito de se lembrar.

Hoje eu sou só uma menina que desceu apressada do ônibus com vários livros, como sempre. Tenho uma vida que começou há quase quinze anos e não sei como vai parar. Mas um dia vou acabar, tudo - ou quase tudo - acaba. É o ciclo, é a vida. Sou cheia demais pra ter pessoas vazias ao meu lado. Quero alguém que me acrescente, que me faça transbordar; e também quero alguém que tire algo de mim, que me traga um pouco de leveza vez ou outra. Ou um pouco de vazio. E já encontrei esse alguém. Tão incerto como os números jogados na loteria, a possibilidade de ganhar é a mesma de um raio atingir minha cabeça. Mas os matemáticos não sabem que raios atingem minha cabeça quase que diariamente. Bando de loucos.

E você? Bem, você continua lá na janela fumando e soprando fumaça pro infinito, com aquelas dezenas de dentes perfeitos. Isso é algo que eu não posso negar, seus dentes são perfeitos, mas deixa pra lá. Já não importa mais.

E o alguém? Bem, eu posso abrir um sorriso largo e dizer: "Eu não faço a mínima ideia do que irá acontecer, só sei que estou feliz. E que seja para sempre, mesmo que acabe."

A vida continua
Fica tão pesada
A roda corrompe a borboleta
Cada lágrima, uma cachoeira
Na noite
Na noite de tempestade
Ela fechou os olhos
Na noite
Na noite de tempestade
Ela voou para longe
E sonhou com o para-para-paraíso
- Paradise, Coldplay.

Preciso ir, mas eu volto

O problema é o seguinte: algumas dezenas de anões passaram falando latim ao meu lado. Anões. Sim, eu estou drogada. Meu namorado está aqui comigo, mais drogado que eu. Nós dois passamos a tarde inteira falando das nossas infâncias. Ele era um filhinho de papai. E só me faltou pedir esmolas. Hoje somos iguais, drogados, apaixonados e perseguidos por todos. Ou perseguidos por ninguém. Ou só por nós mesmos. Seremos mortos pelo nosso amor, por causa da nossa liberdade em plena sociedade conservadora.

E eu estou grávida, pela milésima vez. E pela milésima vez vou abortar uma criança que quase não existe. E eu vou continuar com as mentiras, e quase ninguém se importará. Me resta o delírio, o teto girando, um rapaz ao meu lado que diz me amar. Um rapaz ao meu lado que eu sei que me ama. Sabe, minha infância foi dura, mas não importa mais. Me mandaram pra um psicólogo, mas ele veio me falar dos problemas dele. E eu... Não sei, mas as coisas vão mudar algum dia. Eu só tenho que sair daqui, só não deixo esse rapaz sozinho. Minhas amigas mandaram eu sair de perto dele, só que não vou. Agora eu estou rindo sem nenhum controle da cara delas. Idiotas. O que sabem de mim? Nada. Mas sabem tudo. E eu que não sei de nada. E essa droga de maconha não faz nenhum efeito.

Acorda, cara! Eu preciso ir, não me peça pra ficar. Você sabe que eu volto, eu sempre volto. Tem outro cara me esperando, está sentado na mesa de um restaurante aí. E eu vou inventar uma desculpa qualquer. Me larga! Não, meu amor. Eu não te abandono, não chora. Te amo. Olha, como você quer que eu arrume esse dinheiro se eu não disser que vou casar com aquele idiota? É só mais um tempo. Tenho que abortar nosso filho. Não me peça pra deixá-lo nascer. Vou casar com outro. Sim, sim, sim, eu te amo. Mas também preciso de dinheiro, esqueceu? Nós precisamos. Sim, depois eu me separo, fico com o dinheiro dele. Eu te amo.

Já vou. E eu volto. Enquanto isso você pode vender algumas drogas, conseguir outras mais fortes pra nós. Eu estou um pouco tonta, mas o idiota não vai perceber. Sei lá, eu pego uma carona, invento que alguém morreu. Agora veste essa roupa e não me olha com essa cara. Eu realmente preciso ir se quiser ter algum dinheiro. Adoro esse teu cheiro de vinho misturado com fumaça, mas aquele idiota me espera. Tchau.

4 de mar. de 2013

Mostrar a realidade é algo necessário...

Vocês ainda não sabem, mas eu sou criatura muito doida. Prova disso será a conversa que eu postarei a seguir. Muitos me desconhecerão, eu sei. Afinal, só posto textos fofos, depressivos, incompreensíveis, idiotas, coerentes ou incoerentes aqui. Nada sobre a minha vida com sal, pimenta e chá de boldo em excesso. E sim, eu ainda continuarei escrevendo os mesmos textos. O diálogo a seguir não muda em nada a minha alma; já que tenho uma alma dividida em três partes.
Ah, a conversa foi com a Mia, em uma madrugada obscura de domingo para segunda-feira.

Glen: "É Murphy querendo tirar a Mia das nossas vidas..."
Mia:  "Tu também só me aparece off, guria."
Glen: "Facebook infeliz..."
Mia: "Fb sempre ferrando com meus relacionamentos. Affs."
Glen: "Um dia nos vingaremos... muhahaha"
Mia: "**vingança**
*____________*"
Glen: "Queria ver os olhos da Mia brilhando ao ler essa palavra. oow *-*"
Mia: "Sério, há poucas palavras que fazem meus olhos brilharem, mas essa é uma delas."
Glen: "A outra é meu nome, eu sei. HAHAHAHA! *-*"
Mia: "GO TO HELL
hahahaha"
Glen: "Cara, acho que é melhor eu ir mesmo. Preciso perguntar algumas coisas ao capeta, sobre o Murphy, claro."
Mia: "If I can't go to heaven why don't you let me go to hell? ♪"
Glen: *-*
Mia: "Quero uma lhama pra chamar de minha! o/"

Vocês podem observar que a conversa muda totalmente de rumo, mas continuamos mesmo assim.

Glen: "WTF? Eu sou uma carneira, tá?"
Mia: "Tá cabrita. hahaha
(incorporei a Arih agora)"


Glen: "hahahaha! Olha, eu sou uma carneira com cérebro evoluído. #aloka
Mia: "HAHAHAHAHAHAHAHHAHA
aloka total"
Glen: "Sei lá, as madrugadas me transformam."
Mia: "Nos transformam.
Vou acabar fazendo outro vídeo de camisola, eu sinto em meu útero. HAHAHAH"
Glen: "Opa! Acabo de sentir contrações em meu útero. Acho que é uma nova cabra em formação."
Mia: "THIS IS TOO MUCH INFORMATION
hahaha"
Glen: "Ó: faça o vídeo."
Mia: "Mas BEEEEEEEEEM capaz. hahaha"
Glen: "hahaaha.
Como chamaremos minha (cabra) filha? Que tal colocar o mesmo nome da madrinha? E olha: a madrinha é você, Mia."
Mia: "GO TO HELL part 2 - no regrets
NÃONÃONÃONÃONÃO
hahaha"
Glen: "HAHAHAHAHA.
Mia, agora me responda: como diabos uma humana e um suricate fabricam uma cabra? hahaha"
Mia: "UM O QUÊ?
Medo da sua resposta. haha
Assim: vocês cospem num balão, aí tu engole o balão (e o balão contem o cuspe de vocês e um de uma cabra também, com um pedaço de pelo, claro) e deixa no sol por um tempo, aí depois de engolir é só esperar e quando for ver lá estará a cabra abrindo um - enorme e irreparável - espaço.
Glen: "Droga, escrevi uma resposta super massa, daí o fb não publica."
Mia: "Tô falando: o fb tá de sacanagem com a gente."
Glen: "O suricate, aquele bichinho magrinho, que fica de pé que nem gente.
Então: adorei sua teoria. Einstein aprovaria.
Depois de pensar em suas palavras, percebi que com um simples comentário de facebook nós poderemos salvar muitas espécies da extinção. E o melhor, com um método simples e nada constrangedor de uma fecundação sexuada. Será quase uma nova arca de Noé. Só que sem arca, e sem Noé.
Gênesis, lá vamos nós."
Mia: "Mas eu quero meu dilúvio!
- sou uma boa nadadora, amore -"
Glen: "Calma, calma. Navio afundando em alto mar tá aí pra isso."
Mia: "o/ 
YEEEEEEEEAHHHHHHHHHHHH"

Glen: "Hahahahahaha.
Só digo uma coisa: vou criar a tag "alopradas" no blog e postar essas conversas. É mais que necessário."
Mia: "Cara, eu já copiei umas conversas e estão no rascunho do blog. HAHAHAHAHA"
Glen: "HAHAHAHAHAHA (infinito).
Tia Mi, posta as conversas, please."
Mia: "Tá, eu vou postá-las. Mas não me responsabilizo pelas pessoas nos largando de mão depois, viste? HAHAHAHAH
Em pensar que tudo começou com uma conversa de 10h sobre frangos."
Glen: "HAHAHAHAHHAHAHAHA! PELAMOR!
Olha: poste, coloque os links. E sobre o povo dizendo "tchau", ou ficando offline: eu não tô nem aí. Os amigos que são importantes, são tão doidos quanto eu, ou são pessoas normais, mas que já acostumaram-se comigo. OU SEJA: abraça Murphy e atravessa a avenida de olhos fechados que não importa mais. Viva la vida. o/"

Se você não entendeu nada sobre: "Em pensar que tudo começou com uma conversa de 10h sobre frangos." aí vai um gif. E a história detalhada dos frangos, e sobre o que descobrimos deles ficará pra outro post. ;)

3 de mar. de 2013

Sobre os dias em que fui uma Clarissa


Dia desses fui Clarissa, agarrada ao travesseiro, cravando as unhas nas mãos. Dia desses estava na janela, tentando ver as estrelas mais distantes; quase não as vi, as estrelas mais brilhantes haviam ficado pra trás. Eu era depressão no meio da felicidade, me sentia um fardo para todos, algo que deveria ser excluído. Pensei nas facas, nos remédios guardados bem ali.

Fui Clarissa me jogando na cama, abafando o choro. Despedaçada como sempre,como todos iriam fazer. Despedaçada por todos e por si mesma. Que culpa tinha ela de ser tão cheia dessa alma cheia de palavras? Que culpa tinha ela de não saber cuidar de si mesma, de não conseguir fugir? É nessas horas que o teto parece infinito, infinito na sua inutilidade.

E ali estava ela, mais uma vez, chorando por uma pessoa insensível.Com um vestido solto, fino, tão branco quanto sua alma. Uma alma pura que já havia experimentado toda a maldade do mundo. Se alguém a observasse do teto, enxergaria a coisa mais bela do mundo: um corpo magro jogado em uma cama bagunçada; um corpo tão branco quanto as nuvens; com uns olhos perfurantes, fixos, um olhar quase mortal, quase morto. Mas Clarissa era linda, mesmo que o choro fizesse dos seus olhos um espelho, olhos que agora são marrons. Os cabelos em desalinho, a fraqueza do corpo machucado demais.

Mas Clarissa possui uma força estranha, quase sobrenatural. Ela ficará jogada na cama, distante de todos, até que tudo passe. Nenhuma dor é eterna. Nada é eterno. Exceto o par de olhos verdes que fitavam tudo. E fitavam nada.

Clarissa e seus olhos, que vocês existam por toda a eternidade.
{ Texto inspirado na Clarissa, essa menina impossível de se traduzir em um só texto. }

1 de mar. de 2013

Fatos da madrugada #1

Meia-noite, lanchonete lotada, todas as mesas estão servidas. Eu sentado aqui, com as pernas esticadas, pensando... Pensando em como seria se eu estivesse em um beco esquisito, fumando um cigarro, bebendo cerveja, com uma jaqueta de filhinho de papai. Não, longe de mim... Não quero ser igual ao meu pai, um bêbado. Infelizmente é a realidade. Não tenho nem cinco minutos de descanso, tudo nas costas do novato que vai cedo pra casa. Um estranho no meio dos garçons que pegam geral, que aspiram mais fumaça de cigarro do que o próprio oxigênio, que escutam músicas ruins. Que são meus opostos. E não, os opostos não se atraem. Não vou com a cara deles, mesmo que minha mãe seja amiga do dono da lanchonete. Aliás, só estou trabalhando aqui por isso.

Eu poderia estar na faculdade, porra. Eu poderia estar em tantos outros lugares, mas estou aqui, feito escravo. Sou escravo dos sonhos que não realizei, estou quase desistindo deles. Droga! Meu rosto refletido no espelho do banheiro, mil clientes lá fora. O reflexo me atrai tanto, queria ser Narciso, quem sabe Dorian Gray. Ah, esquece! É só o primeiro dia de trabalho, vamos lá. Acalme-se, Rodolfo. (Isso já virou um mantra, argh.) Mas, na boa, acalme-se. Volte lá, anote os pedidos e transmita tudo ao chapeiro idiota. "Refrigerante e sanduíche, água e vitamina, suco e cerveja. Respectivamente nas mesas 12, 7 e 4, Rafael!" Gritei da porta do banheiro e o cara disse "vá se foder" baixinho, pelo menos não gritou. Sério, que tipo de gente bebe água e vitamina ao mesmo tempo? Povo maluco...

"Hora de ir pra casa, cara. Quer dizer, se quiser beber alguma coisa, falar de futebol e das mulheres que estão passando na rua, pode ficar. Ah, você se saiu muito bem." "Não, não vou ficar. Vou dormir, sei lá, acho que é falta de costume..." Saio da lanchonete fechada, com as mãos nos bolsos e gostando do vento frio no meu rosto. Queria morar longe daqui, pelo menos eu sairia andando pra casa, observando as casas tranquilas durante a madrugada. Se um dos meus amigos me escuta dizer isso, me chamaria de gay. Tenho que deixar de preocupar-me com isso, se eu quiser continuar vivendo, claro. Sei lá, sou estranho mesmo. Ou apenas diferente dos outros. Só gosto de ler os clássicos, os livros idiotas e vez ou outra me arrisco escrevendo. Nada demais, não é? Mas sempre depende do ponto de vista...

Se eu falo isso pra aquela menina ali da janela, acho que ela riria da minha cara, isso sim. "UM CARA QUE É CHAMADO DE GAY, E QUE ESCREVE!" Grande curriculum vitae, Rodolfo. Palmas, você merece. É melhor manter a calma... Calma, calma... Mas ela me olha, queria saber por quais motivos ela faz isso. Veio umas trezentas vezes até a janela. Estava com um celular, depois com um caderno, depois escreveu algo. Olhando pros lados, obviamente tentando disfarçar. Mas você não conseguiu disfarçar, garota. Não dessa vez. É melhor eu ir dormir, descansar um pouco e esquecer da vizinha estranha. Quer dizer, ela não é estranha, só é normal. E estava abraçada com um cara dia desses. Cheguei tarde... Mas esquece, já apaguei a luz e matei meus sonhos. Matei-os até eu abrir os olhos outra vez.

continua...