A cidade está estranhamente fria e todos começam a acordar para o sacrifício de um novo amanhecer. Para enfrentar o novo combate, a nova guerra que começa com o nascer do sol. Mas o sol não nasceu hoje, resolveu deixar que a chuva molhasse esses tipos estranhos que gostam de esconderijos. Cada um em seu próprio casulo, casulo que jamais se rompe para transformar-se em borboleta.
Deveria ser diferente, muito diferente. Confesso que tive minha fase de revolta, na qual eu queria agredir as pessoas da rua com o meu olhar. Hoje faço o contrário disso, sorrio para os desconhecidos. É minha maneira maluca de espalhar um pouco de alegria nessa sociedade.
Mas choveu hoje, todos estavam com seus guarda-chuvas, cobrindo os rostos, encolhidos com o frio. Transformando aquelas hastes de ferro com um pedaço de tecido em uma arma, se preciso for. Pareciam artificiais com aqueles guarda-chuvas coloridos, pareciam marionetes. Todos reclamando do tempo, todos odiando mais um dia de trabalho.
Apenas uma ou outra pessoa fica feliz com a chuva, eu fico quase dando gargalhadas, por exemplo. Pulo nas poças, só abro o guarda-chuva se for uma chuva realmente forte. Fico rindo e cantarolando e deixando o meu rosto molhar-se com as gotinhas de paraíso. As pessoas me olham como se eu fosse uma louca, alguém diferente. Mas é assim que deveria ser. Cada clarear do dia deveria ser uma festa, cumprir uma rotina de trabalho ou estudo também mereceriam comemoração. Eu sei, não é sempre que estamos sociáveis. Mas ser sociável deveria virar rotina, obrigação.
Mas continuaram apressados, com os guarda-chuvas abertos. Reclamaram das poças d'água. Mas também esqueceram que reclamavam do calor e pediam chuva. Agora que chove, todo mundo reclama. E reclamam dos alagamentos que as próprias pessoas causam. A sociedade é uma eterna ambiguidade.
E eu? Bem, continuei caminhando na chuva. Cada poça que eu pulava era um passo de balé. Até que cheguei em casa e continuei observando as pessoas munidas de guarda-chuvas pela janela. Fechadas em seus mundos e preocupadas com a chuva que parecia só chover em suas próprias cabeças. Eu olhei vez ou outra o céu, peguei umas gotinhas de chuva para guardar no bolso da calça e fui fazer o que tinha que fazer. E sorrindo, rindo. Só quero que essa minha alegria continue por toda a vida. Tenho quase certeza de que não serei uma carcerária de mim mesma na velhice. Serei uma eterna alegria em meu espírito.