30 de abr. de 2013

Um guarda-chuva, uma arma

A cidade está estranhamente fria e todos começam a acordar para o sacrifício de um novo amanhecer. Para enfrentar o novo combate, a nova guerra que começa com o nascer do sol. Mas o sol não nasceu hoje, resolveu deixar que a chuva molhasse esses tipos estranhos que gostam de esconderijos. Cada um em seu próprio casulo, casulo que jamais se rompe para transformar-se em borboleta.

Deveria ser diferente, muito diferente. Confesso que tive minha fase de revolta, na qual eu queria agredir as pessoas da rua com o meu olhar. Hoje faço o contrário disso, sorrio para os desconhecidos. É minha maneira maluca de espalhar um pouco de alegria nessa sociedade.

Mas choveu hoje, todos estavam com seus guarda-chuvas, cobrindo os rostos, encolhidos com o frio. Transformando aquelas hastes de ferro com um pedaço de tecido em uma arma, se preciso for. Pareciam artificiais com aqueles guarda-chuvas coloridos, pareciam marionetes. Todos reclamando do tempo, todos odiando mais um dia de trabalho.

Apenas uma ou outra pessoa fica feliz com a chuva, eu fico quase dando gargalhadas, por exemplo. Pulo nas poças, só abro o guarda-chuva se for uma chuva realmente forte. Fico rindo e cantarolando e deixando o meu rosto molhar-se com as gotinhas de paraíso. As pessoas me olham como se eu fosse uma louca, alguém diferente. Mas é assim que deveria ser. Cada clarear do dia deveria ser uma festa, cumprir uma rotina de trabalho ou estudo também mereceriam comemoração. Eu sei, não é sempre que estamos sociáveis. Mas ser sociável deveria virar rotina, obrigação.

Mas continuaram apressados, com os guarda-chuvas abertos. Reclamaram das poças d'água. Mas também esqueceram que reclamavam do calor e pediam chuva. Agora que chove, todo mundo reclama. E reclamam dos alagamentos que as próprias pessoas causam. A sociedade é uma eterna ambiguidade.

E eu? Bem, continuei caminhando na chuva. Cada poça que eu pulava era um passo de balé. Até que cheguei em casa e continuei observando as pessoas munidas de guarda-chuvas pela janela. Fechadas em seus mundos e preocupadas com a chuva que parecia só chover em suas próprias cabeças. Eu olhei vez ou outra o céu, peguei umas gotinhas de chuva para guardar no bolso da calça e fui fazer o que tinha que fazer. E sorrindo, rindo. Só quero que essa minha alegria continue por toda a vida. Tenho quase certeza de que não serei uma carcerária de mim mesma na velhice. Serei uma eterna alegria em meu espírito.

28 de abr. de 2013

A curva

Uma curva longe, cercada de árvores. Lembra minha infância, de como fui feliz no meio daquela simplicidade. E a simplicidade que me fez detestar essa agitação toda, esse ar pesado e a falta de silêncio. Lembra a curva do seu queixo, mas não quero misturar você com os meus assuntos. Só posso misturar meu passado com esse frio que faz agora. E com a lua distante dos meus olhos, também posso misturar com o livro usado da Lygia Fagundes Telles que comprei hoje pela manhã. Posso adiantar que sou complicada e disfarço essa minha magreza com fragilidade. Mas já fui mais frágil.

As tardes de domingo. Ah, essas tardes... Ainda bem que domingo não é como ano bissexto, há domingos em todas as semanas e eu sei que isso é informação idiota. Mas aos domingos eu penso mais que o normal, fico mais sentimental, coloco cola e durex nas minhas asas quebradas e vou choramingar na janela do duplex. Choro sem motivos e com todos os motivos. E como a lágrima que dos meus olhos foi morrer na calçada, eu morreria na mesma calçada se desejasse. É bem complicado querer falar do passado e do presente, será pior ainda se quiser colocar o futuro no meio de tudo isso.

Estou rimando sem perceber. Coisa mais estranha. Tudo isso por ter visto uma curva que fica longe longe. A curva lá no Rio de Janeiro e eu aqui, em Fortaleza. Estranho também é ter visto uma foto sua de anos atrás. Mas, pela segunda vez, não quero misturar você com meus assuntos. Mesmo que eu sempre acabe te misturando. E se fosse pra imaginar um conto de fadas das nossa vidas, eu voltaria para os sete anos. Para a minha simplicidade, o jeito de observar os detalhes e vez ou outra me misturar com os meninos para jogar bola. Eu levava tapa na cara, mas perdoava os meninos e continuava amiga deles. O que houve comigo que não sou mais assim? E você voltaria a ser o menino que quase se matava de tanto arriscar a vida subindo nas árvores. E pra completar o tal conto, pularíamos para os meus dezoito anos. Eu seria a Ana Clara, você, Maximiliano. Estranho imaginar um conto de fadas com uma moça que morre e um rapaz que acaba preso. Mas é ao meu modo, é só deixar ser.

Estranho também é misturar tudo, perder o nexo, mas fazer sentido. Estranho é fazer força e te arrancar do coração como se arranca um dente amarrado ao trinco da porta. A estranheza continua quando projeto meu futuro e digo: "Nunca isso, nunca aquilo..." Sou cheia de nuncas desde pequena, mas sempre estou me surpreendendo por conseguir transformar uma adivinhação em algo positivo.

Quase esqueci da curva que fica longe, lá na rua de calçamento. Com árvores diferentes das que existem aqui. E a única diferença entre as árvores é a distância. Pois eu estou aqui e lá ao mesmo tempo. A curva nem é tão longe. Por isso a curva do  teu queixo está tão perto dos meus olhos.

27 de abr. de 2013

Um reflexo no espelho

Caindo aquela tempestade lá fora, e eu aqui, com essa magreza disfarçada de fragilidade. O sorriso aberto para o que deveria ser interpretado como ofensa, o hábito de fitar o céu, a lua e o farol que clareia longe. Os olhos de quem viu o antigo amor platônico na frente de casa, o mesmo de antes, talvez seja o mesmo sempre. E o sorriso pra ele, o sentimento se foi e ficou uma marquinha do que existiu. Eu sorrio e ele vai. O entardecer de domingo, a guerra que não se vai. A vontade de avançar e retornar. Apenas ser como eu não era, me descobrindo em cada pedaço de hora para ver se passo informações certas para os outros. O horizonte distorcido, minha mente vagando por qualquer espaço distante. E o coração que pertenceu a algum ser em outras vidas. O gosto pela chuva, a liberdade estranha e inexistente. A dor inconsciente. A intensidade que ninguém suporta. A ironia do coração mais sensível do mundo. A moça que chora até desencantar. A menina que era a mais sensível de todas, até passar por tudo que passou e tornar-se nesse anjo escondido que ninguém decifra. O outro alguém inexiste. Mas eu existo no meio da chuva, isso que importa. Eu com as outras, eu comigo. Eu estranhando meu reflexo no espelho, depois olhando nos meus olhos e entendendo toda minha complexidade. Vazia? Jamais.

21 de abr. de 2013

Pensei que fosse encantamento

Os últimos meses pareciam um passado distante, do qual só resta um vazio. Você parecia esquecido, guardado nas sombras dos últimos vinte dias. Até a chuva estava mais melancólica. Cada gota de chuva era um pranto, cada tropeço um abismo.

Ainda choro por você, pelos movimentos que sua camisa fazia enquanto você respirava. Choro pelas suas sobrancelhas desgrenhadas e manias idiotas, pela vontade que eu tinha de fotografar nossas mãos enquanto estavam juntas. Choro pela minha aura que transformava-se em algo bonito de se ver. E contrariando seus pensamentos: isso não é amor. Só um puro encantamento, que a realidade fez questão de destruir.

Seus arrependimentos, dúvidas e vontades. Fugas. Você correndo para algum lugar distante, fora das minhas lembranças. Você e esse jeito indomável de ser. Só um puro encantamento, isso que sinto. Minha ingenuidade que nem deveria existir. A vida dará um jeito de acabar com os meus sentimentos. Não existirá mais amor, só meu doce encantamento.

Era amor quando nos encontramos por acaso em uma loja qualquer. Transformou-se em encantamento quando você saiu em disparada naquela bicicleta, pensando em qualquer coisa em que eu não estivesse presente. Foi amor nos nossos sorrisos sinceros, com a sinceridade de quem nada sabe e nada viveu; amor no nosso abraço. Encantamento quando seus olhos tomaram outra direção e pouco importaram-se comigo. Foi dor no seu adeus tão distante, como se eu fosse alguém que você visse todos os dias. Foi um turbilhão. Você era o "algo" que me faltava naquela tarde de sábado.Foi ontem, mas parecem anos.Nunca mais entrarei naquela loja sem lembrar de tudo o que aconteceu. O tudo que não durou nem quinze minutos.

Mas é amor, sim. Eu que me engano, disfarço. Descobri que era amor naquele sábado, quando eu jurava que havia te esquecido. Eu que te engano, disfarço. Puro capricho. Choro pelo vazio, por tudo que mudei, por todas as marcas e pelo vento frio que você deixou soprando. É amor, daqueles puros, que misturam-se ao encantamento. Eu que sou do contra e tento negar o que sinto. Olho com carinho pra cada pedacinho da minha casa em que você pisou. Só lembro do que não deveria, eu sei. É amor, só não te quero do meu lado. Já quis, mas você me magoou e enlouqueceu tanto que não dá mais. Será amor enquanto eu não te esquecer. É muita ambiguidade para uma pessoa só, mas só te resta aceitar.

Haverá meu encantamento por ti enquanto eu respirar.

20 de abr. de 2013

Teu amor era odioso

Me deixa ser abstrata, bailarina cansada. Uma desnorteada cheia de razão. Não feche as cortinas, nem bloqueie a visão. Não me prenda em seus laços, sou livre demais para isso. Não me mande descer do ônibus vazio e não me queira em sua gaiola. Não me mande assinar contratos, nem escrever sobre o que eu não quero. Não me liga, que é difícil eu atender. Me escreve uma carta ou um sms. Não diga que sou estranha, você que não é acostumado com pessoas diferentes, meio malucas.

Me deixa ser simples como uma brisa invisível. Como um riso que não foi finalizado. Siga meu olhar e olhe aquela estrela. Seja algum personagem de livro ao meu lado. Encontre-se e não deixe que eu me perca. É odioso te deixar, mas não posso permitir que você me esvazie por completo.Seria como encomendar minha morte. Sem palavras eu morro, enlouqueço, entro em depressão profunda.

Eu vou permanecer atuando no meu teatro, no palco que é só meu. Não quero você do meu lado, nem nada que seja duvidoso. Quero minha solidão que não me deixa só. Quero passar pelo teatro vazio e ter cada espaço do mundo para mim. É odioso, eu sei. Mas tudo que eu disse foi verdade, o para sempre continua. estou do teu lado, ao meu  modo. Foi odioso que as coisas seguissem por essa estrada e ao mesmo tempo foi o melhor. Uma alma como a minha só comete um erro uma vez. Então, nem queira voltar quando estiver reconstruído. Eu continuarei no meu palco, escrevendo o que me vier. Continuarei desse mesmo jeito, o jeitinho que você mais odeia. Esse jeito totalmente odioso.

18 de abr. de 2013

(im)perfeição

Janeiro de um ano que já passou. Todos com promessa  de que tudo mudará, mas nada muda. Continuam sempre as mesmas ignorâncias e os mesmos roubos com as mesmas mortes. Era a fantasia em que todos viviam. Até que um rapaz decidiu celebrar tudo de mais real que havia e ainda há ao nosso redor. Tenho a sensação de que somos só marionetes, e que nossas liberdades tão desejadas não passam de sonhos de prisoneiros em um campo de concentração nazista, onde só nos resta esperar a morte.

Tudo é tão breve e supérfluo. Nosso destino é tão certo nas mãos desses que nos prometem o melhor e nada fazem. Desses que só guerreiam e só se preocupam com os próprios narizes. Mas tudo é caminho pra destruição. 

E o sonho de um mundo só cabe a nós, os artistas, os poetas, os cantores (os de verdade)... É nosso esse trabalho, vamos tentar mudar algo nesse mundo enquanto temos vida. Pois a vida dos artistas é breve, muito breve.

"Vamos celebrar
A estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja
De assassinos
Covardes, estupradores
E ladrões...

Vamos celebrar
A estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado que não é nação..."
- Perfeição, Legião Urbana.

a liberdade tem olhos azuis

E ela tinha vontade de ser livre, de repente largar tudo, sem nenhum motivo aparente. De ter uma nova realidade. Mas tudo era impossível naquela vida estranha. Vida em que ela só pisava em pedras pontiagudas e só se feria. Decidiu afastar-se e ver do que era capaz. E parece que ela mesma se completava, estranhamente ela se completava.

Era estranha a bipolaridade dela, talvez fosse um erro chamar isso de bipolaridade. Talvez fosse só loucura de moça que nasceu meio alheia  à tudo. Não sei de onde essa menina veio, nem quem era ela em sua encarnação anterior. Mas tudo nela era uma confusão inconfundível. Uma coisa que não se via em outras pessoas. Era choro por tudo, e por nada, e por todos, e por ninguém.

E estava de frente com a causa de sua depressão, daquele estranho ser que tanto a fez sofrer. E ela na sua incerteza de sempre, rogava aos céus uma solução. Pedia que lhe dissessem qual voz seguir. Mas ninguém disse nada. E ela não respondeu se perdoaria ou não o tal rapaz.

O melhor era tornar-se uma moça blindada. Assim não sofreria. Ainda gritei, mas ela não me ouviu. Ela nunca me ouve, é uma moça surda por opção. E louca de pedra, é assim que ela quer que seja.

E era só mais uma tarde de domingo, e ela delirava deitada na cama antiga. Com um punhal nas mãos e um par de tênis no chão. Era apunhalar-se e abandonar tudo. Ou calçar os tênis e viver por aí, tocar no rosto da liberdade com os próprios dedos. Ainda bem que ela escolheu ser livre. E voou.

da arte de ser uma louca

Não, eu não vou explicar o que está acontecendo. Pra falar a verdade eu não sei o que está acontecendo. Estou mais pra uma pessoa que sobrevive nesse mundo. Viver é diferente, e eu nem sei se alguém vive.

4 de abr. de 2013

Leveza

Encontrei um cartão de memória que estava perdido há mais de um ano. Resolvi desapegar de quem nunca apegou-se ao meu modo de amar. Estou ouvindo as músicas que eu pegava do rádio. Tão livre e tão leve como um pássaro em pleno voo. Jamais me importarei com a coerência, com o nexo. Meu mundo, minhas regras. Meus sorrisos e minhas risadas malignas. Minhas lágrimas secaram depois que eu descobri que não ficaria bem na sua estante. Procrastinei tudo o que foi possível, ri da sua cara até não conseguir mais. Estou ouvindo RHCP e cantando até ficar rouca. Vou pular até ficar louca. Estou aqui no meu pequeno mundo infinito e cheio. Enquanto seu mundo é vazio e sem sentido. Tentei te consertar mas não deu. Consertei-me, foi isso que fiz.Caminhei na chuva, olhei os olhos que me olharam e plantei um sorriso em cada pessoa da rua. Peguei o livro mais mofado da biblioteca, calcei a sandália que me machuca os pés. Fiz da irritação dos olhos um mero problema de visão. Não atendi o celular, nem li as mensagens. Olhei os vestidos das lojas, comprei o mais livre possível. Queria e ainda quero voar. Quero ser uma louca no meio dos loucos. Uma alma jovem, um pouco desapegada e pesada demais. A palavra do mês é: leveza. Leveza para quem não a conhece.