30 de mar. de 2014

I.
com voracidade
queria-me
dizia-me
"meu amor"
com a fome
de quem deseja
com a sede
de quem
se entrega

II.
com voracidade
beijava-me
com os olhos
olhava-me
com os lábios
o desejo
de quem tem
e não pode ter
não como quer

III.
com voracidade
tinha meu corpo
com o cuidado
de delinquente
tínhamos
a vontade
insaciável e
incurável
do não-ter

19 de mar. de 2014

Olhos de poeta

Viu que jamais existiria ângulo igual.

Era uma rua simples, pisada incessantemente por seus transeuntes. Deixavam marcas onde pisavam, traziam areia de outros lugares. Traziam nos pés as suas angústias; na força dos passos, suas dores. 

Pessoas, apenas. Em uma rua aparentemente insignificante.
Rua banhada pelo sol. Iluminada, divinamente iluminada. Luz que ninguém via. Os moradores, acostumados com a mesma luz nas mesmas paredes, jamais notaram sua beleza.

"Malditos olhos de poeta!" - pensou.

Em vão, fez perguntas aos seus vizinhos sobre a origem daquela beleza. "Não há beleza nenhuma! E o que vês sempre esteve aí." Porém, havia algo. Uma beleza dolorida habitava-lhe a alma ao abrir a janela do seu quarto. 

Eram os mesmos paralelepípedos de sua infância, banhados pela mesma luz. Eram os mesmos moradores, só estavam maltratados pelo tempo. Era a mesma casa. 

E o algo? algo que lhe arrancava lágrimas, uma dor vazia. O que era?

Suspirou, fechou os olhos e sorriu. Tinha um dia pela frente, embora o sentimento inexplicável não lhe abandonasse.

15 de mar. de 2014

Poema que era carta

Enquanto a chuva surge, eu não desespero.
Enquanto o coração ruge, eu não desespero.
A saudade existe, assim eu te espero.
A saudade é forte, mas ainda assim
Quebram meu coração.

Cansei dessa busca em lugares impossíveis.
Cansei de esperar flores de um terreno hostil.
Cansei de seguir sempre a mesma linha.
Não quero ser um exemplo.
Queria - e quero - respeito, nada mais.

Ainda almejo a liberdade.
Almejo a serenidade de estar ao teu lado.
Desejo poemas sem rimas.
Pensamentos desconexos.
E teus olhos perdidos nos meus.

14 de mar. de 2014

Retorno

Choro dolorido que me contrai
Barulho de chuva que me distrai
Peso do choro que cai

À tarde vejo pedras vazias
Iluminação perfeita
Sensações tardias

Sou eu, sozinha
Sozinha

Em outra linha.

12 de mar. de 2014

Despertador

O frio corta a alma adormecida. O sol luta e não vence. Nubla. A vida muda, o estômago dói. Sinto a fragilidade entre os dedos, fragilidade escorrendo pelas mãos. Fragilidade que me quebra, me divide, tenha um pouco de piedade. Minhas mãos abrem e fecham, seguem o ritmo dos meus pulmões. Peço a Deus que deixe a cidade nublada, que a transforme em alguns minutos de chuva. E chove. Agradeço com um sorriso tímido, sorriso que ninguém viu.

O sol nasce pela segunda vez. Caminho apressada com a calma que me falta, com a alma que me transborda. Tenho vontade de voltar. Desistir. Não caminhar. Não conseguir. Mas, o sol faz minha aliança brilhar. Faíscas transbordam. A alma transborda outra vez.

É só mais uma manhã que passará enquanto trilho meus caminhos.

4 de mar. de 2014

Segredo

Eu derreto
Me comprometo

E no caos
De paz
Me resta você.

3 de mar. de 2014

Avenida

O calçamento desmedido
Pelos olhos sofridos
Sorrisos contidos
Dias tingidos

Sempre os mesmos risos
Todos imprecisos
Buscando outros sorrisos
Igualmente imprecisos

Ainda há o sol
Entre braços vestidos
Sapatos indecisos
E falsos sorrisos

Palpitar

Apesar da vida
Da corrida
Da falta que faz
Um prato de comida

Há sempre a partida
Súbita
Aflita
Descrita

Feito impulso
Que faz poema
E não faz páginas

Noivado

Chora baixinho.
Assim como a chuva.
Teu rosto, essa curva.
A dor,
É sempre dor.

Amor,
é sempre o mesmo.
Com exceção
do nosso caso.
Que não é só caso.
Descaso.

Mas caso,
Se você disser
Que me ama.

Trégua

Vida crua
Plena rua
Solitária lua
Mão sua
Flutua
Construa
Reconstrua
Continua
Conclua
Sou tua

2 de mar. de 2014

Inquietação

O que fazes nessas tardes?
Assim, amenas.
Assim, tristes.
O que fazes enquanto eu olho?
O que fazes enquanto eu pareço ser normal?
O que fazes enquanto choro?

O que faço eu enquanto não estou contigo?
Procrastino meu desatino.
Planejo meu destino.
O que faço enquanto te quero sem te ter?
O que faço enquanto nem consigo ler?
O que faço?
O que faço?

Tepidamente

"Cuántas palabras, sólo para decir que no quiero parecer patético."
La tregua, Mario Benedetti.

Vê-la hoje, até parece irreal. O caos já não me basta, por isso chorei querendo a presença de quem o ameniza. Deus me escutou? Quisera eu poder andar despreocupadamente, como alguém que vive. Ser dói. Corrói. Destrói. Ser está além do eu, além do que posso decidir. E eu, estou muito além do que eu queria. Um além que tem dois passos dados para trás. A insanidade me neutraliza por alguns instantes, me faz ensopar com lágrimas um travesseiro. Tudo passa, para retornar alguns dias depois. Em um ciclo de um eterno retorno.

Fosfeno

E te amava em pensamento
Em cada movimento
Te amava sem medo
Falando coisas banais
Sorrindo como alguém que
De tanto acreditar no impossível
Consegue vê-lo realizado

E amava sem saber escrever
Fazendo de versos simples
Algo difícil de entender

Assim eu te amava
Naquelas tardes anoitecidas
Com horas contadas
Palavras sussurradas
E coisas não ditas

Amava
No transbordar da alma
Na vontade de não soltar tua mão
No bater mais forte do coração

Te amava sem saber expressar
Coisa que ainda não sei.

Espelho

E tão desabituada
Ao meu sorriso estava
Que o estranhei.
Fui alheia:
Ao meu reflexo,
Sombra,
Contato.
Alheia
Ao eu
Abafado
Maquiado
Conforme
O ambiente.

Telefonema

O telefone toca.
A vida toca.
Ora para os lados,
Ora para a toca.

A música toca.
O ouvido reconhece o toque.
Permaneço na toca:
Não atendo.

Desassossego

Não dormir
Apenas ver
Nuvens muito brancas
Em um céu muito escuro

Não dormir
Apenas sentir
O coração apertar
Sufocar dentro do peito

Não dormir
Apenas ser
O medo de não conseguir
O medo de desistir

Não dormir
Apenas o não
Do nada vir
Para o nada voltar.