21 de dez. de 2012

Imortal

Eu via o que ninguém conseguia enxergar. Eu via o navio, antes mesmo de ele surgir no horizonte; via as tempestades e os raios que o atingiam. Eu era possuído, possuído pelo meu dom. Dom que julgavam demoníaco. Meu dom e de mais ninguém. Possuidor da minha alma, o dom era a minha alma.

Eu era apenas um filho de pais ricos, alguém que deveria ser mimado e egoísta. Mas não, eu nunca fui assim. Sempre fui diferente, acanhado; até que descobri o que me tornava diferente. Vez ou outra uma angústia me possuía, eu sentia frio, falta, vazio. Eu era atingido pela distância.

Aos dez anos fui conhecer o mar. Era paradisíaco, mas também era incômodo ver tanta gente. Gente que eu consegui apagar com a chegada de um outro sentimento. Em algum lugar daquelas águas ele surgia. Surgia, majestoso e lento. Minha alma se aproximava antes de todos.

Senti-me na época de guerras nórdicas; povos primitivos; indígenas nus e com uma língua incompreensível. Vi o mar sem água, transformei o mar em deserto. Senti-me em uma montanha, vendo de longe os aglomerados de algas, as ondas quebrando e voltando para onde vieram. Vi os pescadores distantes. Vi tudo o que estava longe. Notei que tudo inexistia.

Eu estava hipnotizado por um navio que ainda não havia surgido. Ele trazia minha alma e deveria voltar com eles: minha alma e o navio. Fiquei maravilhado ao avistar o navio; eu deveria agir. Era uma oportunidade única. Ele jamais viria entregar o que eu queria em minhas mãos. Corri e nadei. Entrei no mar infinito, entrei no caminho que deveria seguir. Mergulhei o quanto pude, o ar não importava. Era como um peixe, um peixe que saía da terra firme rumo ao mar.

Notei que o navio era apenas um instrumento, foi o navio que me fez ir mergulhar. Encontrei minha alma entre as algas. Meu espírito entre os peixes. Imortal. Ícaro voou alto demais; eu fiz o contrário. Afundei nas profundezas do paraíso. Paraíso onde permaneci por apenas meia hora, até que eu não conseguisse respirar. Morri com minha alma, renasci. Sempre fui imortal.

20 de dez. de 2012

Free

E mais uma vez ele passou veloz e livre naquele carro. Dobrou a esquina aumentando a velocidade e eu sorri. Sorri por mim mesma, não foi para ele. Já não estava com a aliança, muito menos com o colar que tinha a inicial do nome dele. Sorri para a minha vitória. Confesso que senti uma imensa vontade de correr até a esquina e gritar, dizer que ainda sentia algo. Mas não fui, nem se quer olhei para trás. Era uma prova, alguém me testava. 


Já não suava frio, nem sentia o coração palpitar. Deixei que o sol afagasse meu rosto, respirei fundo e senti o peso desse ar poluído que inundava minha alma de fumaça. Depois me senti purificada, liberta. Eu já estava em outra estrada, passando entre outros carros com motoristas estranhos. Fiquei rindo por dentro, praguejando minha idiotice. Aproveitei minha liberdade para nunca mais parar de correr.

19 de dez. de 2012

Meme musical

Há exatos dois meses e um dia eu fui indicada pela Mia para fazer esse meme. Mas ameaça do fim do mundo me afetou tanto que não consegui fazê-lo. (Brincadeira, meu povo. A culpa é da internet ruim.)
Enfim, amei o meme, Mia. E amei ainda mais a indicação. Thanks!


1. Pegue seu player (no computador iTunes, WMP, etc) ou MP3/iPod/celular e coloque no aleatório. 
2. Liste as 5 primeiras faixas ouvidas. 
3. Qual delas representa o que você está sentindo hoje? 
4. Qual delas você não ouvia há algum tempo? 
5. Alguma delas te traz uma lembrança marcante? Qual? 
6. Qual delas é a sua favorita?
7. Qual delas você definitivamente indicaria para as pessoas ouvirem? 
8. Algumas delas possui um clipe que é o seu favorito? Sendo positiva a resposta, poste link do clipe para o YouTube. 
9. Relacione as músicas com 5 pessoas e as indique para o meme. 
10. Após responder coloque o link no post Meme: http://polypop.net/segunda-pop-o-meme/

1 / 2. Liste as 5 primeiras faixas ouvidas.
  - Monte Castelo, Legião Urbana
  - Scar Tissue, Red Hot Chili Peppers
  - Magnificent, U2
  - Forever and Ever, He Is We
  - Dois Rios, Skank

3. Qual delas representa o que você está sentindo hoje? 
  Monte Castelo, definitivamente. Estou em um momento muito cheio de amor, amor pela minha liberdade. Estou amando minha nova fase de vida, minhas descobertas. Estou em uma fase de escolhas. Livre, simplesmente livre.

4. Qual delas você não ouvia há algum tempo? 
  Forever and Ever, e... pelamor! Eu ouvia essa música na época em que estava passando por um monte de desilusões. E a maioria das desilusões eram amorosas. Se alguém quiser morrer de chorar, escute He Is We. Eu não escuto mais, já deu!

5. Alguma delas te traz uma lembrança marcante? Qual? 
  Scar Tissue e Dois Rios. Essas duas músicas se relacionam com a minha infância, e muito. Eu ouvia essas duas músicas quando tinha uns cinco anos, e sou transportada para o passado quando estou escutando uma delas. 

6. Qual delas é a sua favorita?
  Monte Castelo. Falando delas mais uma vez, eu sei... (Mato quem não perceber outra música da Legião nessa resposta.)

7. Qual delas você definitivamente indicaria para as pessoas ouvirem? 
  Todas, vai. Exceto a Forever and Ever, claro.

8.  Algumas delas possui um clipe que é o seu favorito? Sendo positiva a resposta, poste link do clipe para o YouTube. 
  Não tenho por causa da internet ruim... #mimimi

9. Relacione as músicas com 5 pessoas e as indique para o meme. 
  (Lá vem uma desculpa!) É pessoas, eu não sou a pessoa mais sociável do mundo. Quem eu indicaria já fez o meme (oi, Mia!). Afastei-me das pessoas da blogosfera, parei de comentar em 99,99% dos blogs e estou com medo de queima de arquivo, hahaha! O meme está aberto pra que quiser fazer, mesmo que pouquíssimas pessoas andem por aqui. Bye bye.

2012 X 2013

Mais um ciclo se fechou. Enfrentei os fantasmas do meu passado. A aliança que o representava já não se encontra em meu dedo. Abandonei-o e desejei que ele consiga ser feliz. Não quero mais a voz dele chamando o meu nome. Consegui destruir o sentimento que criei. Ele me prendeu apenas pelo tempo que foi necessário, e eu o agradeço por ter permanecido. Jamais seria o que sou se esse sentimento não existisse.

Finalmente voei, consegui saltar e cair sem arranhar-me. Soltei as correntes que me mantinham presa, encarcerada. Esse ano que está indo embora leva a Gleanne Cavalcante que não assumia a própria identidade. Levou o que sobrou daquela menina que chorou na porta da escola. Eu esperei muito esse tal 2012, eu sempre soube que esse seria um ano de muitas mudanças. Mas nunca imaginei que mudaria tanto. Tive de refazer minha alma para que a Gleanne Rodrigues nascesse. Tive que encarar o espelho, o papel e a caneta.

Esse ano ainda me deu amizades verdadeiras e uma pessoa que poderei gostar um dia. Alguém imaturo, uma alma que eu terei que esculpir. Sei que conviver comigo não é tão fácil assim. Sou um tornado, uma alma em constate mutação. Também preciso de ajustes, preciso dessa nova fase que virá. Necessito de um pouco mais de convivência para compreender os deslizes humanos. Preciso de alguém que me desafie e me controle. Preciso sair desse chão que me prende e pular todos os obstáculos. Vênus deixou de ser um planeta com um grande significado. A deusa do amor me libertou de suas artimanhas e resolveu deixar-me com minha liberdade. Escolherei o que quiser e ainda tenho a opção de retornar depois de cada passo torto.

Espero que 2013 revele outros defeitos meus, só assim os concertarei. Entrarei em 2013 com uma alma totalmente nova, uma alma novinha em folha. Sei que tentarei melhorar, e não esperarei que venham quando quiserem. Enfrentarei os que mais temo para adquirir minha liberdade. Sempre tentando mudar um pouco da História todos os dias.

18 de dez. de 2012

Acídia

Vi pessoas que apenas respiravam, eram como uma porção de corpos sem alma. Eu senti meu coração doer ao perceber isso, lamentei por viver entre eles. Sei que não sou melhor, sei que no fundo sou tão imunda quanto os outros. Mas sinto dores quando os vejo absortos em um nada que não se define. 
Me perguntei se existia alguma maldade em tentar - e conseguir - ser diferente dos demais. Não é orgulho, não é preconceito. É só uma alma em fase de descobertas; uma alma com medo de morrer. Abri livros e mais livros, senti que ficaria para sempre naquele lugar, não importaria onde eu estivesse. Senti que tinha uma alma mais madura que o normal, olhei os que estavam ao meu lado e enxerguei suas almas infantis. Senti o peso de tantos anos em minhas costas. Percebi que nunca fui ingênua, que jamais fui inocente, boba. Isso é uma consequência do meu trauma, e agradeço por ser assim. Gosto de ter meus olhos abertos, minha mente livre.

Só quero saber se sempre será assim, se eles sempre serão automáticos. Se jamais distinguirão o certo e o errado, se a primitividade será eterna. Até quando viverão apenas de respiração e do simples bater de um coração? A inconsequência nunca será extinta? Se assim for, só lamentarei minha eternidade.

11 de dez. de 2012

Clarisse


Aos três anos, Clarisse foi violentada, não foi um estupro, mas teve o mesmo valor. A violência foi prolongada, arrastou-se por muitos anos. E esses anos fizeram com que ela compreendesse o que acontecia, e a deixaram culpada por ter passado por tudo o que passou. Foram lágrimas e mais lágrimas derramadas por uma culpa inexistente, um pecado que ela não havia cometido; mas que o carregaria para o resto da vida.

Será que ele era culpado por tudo o que aconteceu? Era uma pergunta constante, que ela respondia com um “sim” e um “não”, sem chegar ao real objetivo da pergunta. Talvez ele possuísse uma parcela de culpa, já que ele tinha plena consciência de seus atos. Mas ela não poderia culpá-lo, acusá-lo, muito menos odiá-lo. Ele era uma luz, presente em todos os dias da vida dela. Sim, uma luz.

Clarisse pensou – quando ficou mais velha – em beber, usar algum tipo de droga que a deixasse esquecer tudo, pensou em matar-se. Aliás, a morte a acompanhava desde a sua concepção, até que chegasse o dia que as duas se encontrariam. Clarisse e a Morte. Ela morria todos os dias, como todos nós morremos. Só que com ela era diferente, ela conseguia sentir a Vida junto com a Morte; duas companheiras inseparáveis, duas ações necessárias. Clarisse carregou dentro de si um amor pelo mundo, um amor para as pessoas que o mereciam e nunca o abandonou. Ela não usou drogas, nem teve covardia o bastante para se destruir.

Clarisse conseguiu ter a maturidade necessária para superar, uma alma formada para entender e um coração magoado que ela deveria regenerar. Ela possuía uns olhos castanhos profundos, que ninguém jamais interpretou de forma correta; olhos aparentemente felizes, mas por dentro, eram olhos magoados, doloridos por causa das lágrimas carregadas de facas.

Clarisse decidiu voar, e deixou que a chamassem de louca, e que depois a internassem em um hospital psiquiátrico. Não se importaria, voou dentro de si. Ela amou seu corpo imperfeito, suas mãos que já haviam passado por tanto. E seus olhos. Seus olhos que já haviam visto demais, presenciado o que não deveriam, chorado como ninguém. Ela decidiu que amaria alguém, seja lá quem fosse, mas amaria. Clarisse amou um homem de olhos castanhos, quase translúcidos. Ela o amou em segredo, nunca falou sobre, nunca deixou escapar. Ela queria alguém com que pudesse contar e confiar, lembrou-se de si mesma. Lembrou que ela, apenas ela conseguia entender a própria dor, os próprios fatos.

E compreendeu-se. O fato da infância não a acabou, ao contrário, transformou-a no mais encantador dos seres.

Datas, folhas arrancadas de um calendário qualquer. A mais idiota contagem dos dias. Olheiras foram provocadas pelo vício de ler, a melhor droga que já foi encontrada. Unhas afiadas, prontas para uma situação que necessitasse de uma arma cortante. Uma língua afiada de palavras cortantes; mas Clarisse era e ainda é a mulher mais doce que conheci. Ela só não se mostrava, não entregava os pontos, não se deixava levar. Clarisse não me entregou os pontos. Clarisse não me deixou vasculhar a alma dela, não me permitiu que a interpretasse de imediato. Queria deixá-la nua em frente ao espelho e dizer-lhe o quanto era linda. Ela era livre e não corava por qualquer coisa. Sabia que um elogio era um elogio. E ela não limitava-se com sorrisos, argumentava comigo e perguntava o por quê de tal elogio. Clarisse nunca foi simples, era a pessoa mais difícil de se conviver. Ela foi feita para estar só. Sozinha, porém, desejava os abraços de alguém que ela não conhecia, que ela ainda não havia encontrado. O alguém era eu, eu sempre soube. E o alguém também era ela. A Clarisse normal que havia ficado nos espaços entre as estrelas. Ela perdeu a Clarisse simples, vazia, de problemas normais, patricinha e mimada. Clarisse era uma mulher aos 15 anos.

Clarisse nunca morrerá, permanecerá dentro dela e dentro de mim. Clarisse foi minha mulher, minha amiga, meu irmão, meu tio, meu avó. Ela poderia ser o que quisesse. Clarisse parou de respirar aos 75 anos, ao lado da nossa filha e dos nossos netos. As crianças mais inteligentes que ela conseguiu “projetar”. Clarisse ainda está aqui e ainda sou um rapaz idiota que ela fez homem. Ela ainda está olhando além do mar e ainda continuo querendo entendê-la. Era um trauma, cheia de cicatrizes e ela sempre falava: “Deixe-me com minhas cicatrizes, preciso delas.” E ela realmente precisava, ela queria lembrar de tudo o que já havia acontecido; sem mágoas, só com um sorriso de saudade da menina que tinha medo do futuro. Ela amava a mulher que havia se tornado. Clarisse nunca me falou nada, deixou tudo escrito. Disse que eu só deveria ler depois que ela morresse, caso eu desobedecesse, ela me mataria de qualquer forma, tenho quase certeza disso. E eu li tudo, assim que ela falou: “Terei que te deixar.” Mas ela não morreu, eu sei que não; ainda ouço seus passos, ainda amo o cheiro daqueles livros. Ainda sinto a quente respiração de Clarisse ao pé do meu ouvido.

9 de dez. de 2012

Exausta

Sim, exausta. O prolema era a exaustão de corpo e alma que ela sentia. Cansada de quase todas as pessoas, cansada dos compromissos, das regras, de praticamente tudo. Dos livros ela ainda gostava, mas outros compromissos não deixavam que ela permanecesse com eles. Ela ainda amava o céu estrelado, mas ele parecia cada vez mais distante. Ela ainda amava os antigos amores, mas a vida a afastou deles.

Ela ainda os amava. E era isso que a magoava: o amor inacabado, o amor sem chances de continuações. E agora havia o desamor, desamor por alguém que o próprio destino levou. Alguém que o destino trancafiou por trás dos muros, o escondeu da antiga luz e agora tudo deveria estar banhado pelas trevas. Mas não existem trevas por aqui, só um par de olhos úmidos e acostumados com os tombos.

E o tal ciclo continuava a se cumprir, e a cada passo dado uma mudança acontecia. As palavras ainda brilhavam, só que não tão intensamente. Ela havia voltado do ponto apagado, com um sorriso maquiando a tristeza. E os olhos dela a traíam, era como se ela jamais pudesse esconder a própria alma. Era como se no rosto dela sempre estivesse escrito tudo o que se passava. Era estranho, intenso e inevitável. Ontem ela olhou o oceano, mas de nada adiantou. O oceano ficou no ontem, e a vida dela continuou.

6 de dez. de 2012

Guiada pela morte


Cansei das dores, de ser oculta, falsa. Cansei de ser fingida, ou melhor, reservada. Sou reservada demais. Às vezes odeio tudo o que vivi, odeio meus traumas, minhas tentativas de suicídio, murros dados na parede. Detesto ainda ter na memória a imagem de uma cartela de comprimidos para hipertensão; era algo que me mataria em minutos. Pensei em pular de alguma ponte, escada, janela. A janela da minha casa era tentadora e ainda é. Mas em todas as tentativas, desisti.  Minha vida foi - e sempre será  - guiada pela morte.

1 de dez. de 2012

Livros molhados

Faltam uns livros molhados que ficaram em cima do telhado. Faltam alguns relógios que marcavam horas indecisas. Faltam teus olhos e teu sorriso de dentes tortos.

Esqueci de todos os compromissos e deixei minha alma secar ao sol. Permaneci imóvel, deixei apenas o mundo em constante movimento. Esqueci os espaços que o tempo deixa. O único problema é que eu te vejo em cada canto da minha rua; te vejo desde o primeiro dia. Te odeio desde então.

Depois de todas as noites frias, depois das chuvas, do sangue e ódio. Após as quedas, junto os meus pedaços e tento me regenerar. E é em vão. Tudo é vago, indeciso, indecifrável, escuro e repugnante. Depois da tua chegada... tudo escureceu.