29 de out. de 2013

Every teardrop is a waterfall

O mundo é diferente quando se está em um ângulo diferente. O vento frio não é o mesmo em lugares distintos. A noite está escura, mas não o bastante. Os horários são apenas pré-determinações. Músicas passam, repetem-se e caem no esquecimento. Aceitar é mera escolha.

São dez da noite e só lembro que caminhei por vários dias. Areia, suor, cacos de vidro e fuligem fazem parte do meu corpo. Provei da indiferença, comi no prato vazio da fome, caminhei ao lado da solidão... Deixei que os motoristas decidissem, desafiei o perigo em uma estrada de mão dupla. Nada era maior que o vazio que carregava em mim. Fui animal entre pessoas animalescas. Fui criminosa sem cometer crime algum. Minhas roupas e meus sapatos perderam suas formas originais, meus óculos transformaram-se em cacos numa rua vazia. Quarteirões, quadras, praças. Eu vivia sem existir. Continuo assim. A sujeira que agora faz parte do meu corpo. A sujeira foi e é meu corpo. A solidão foi e é minha companheira. 

Os sentimentos nunca foram tão reais no meu âmago. As palavras são seres diferentes do que eu imaginava. Estou em uma fase contemplativa, meu espírito é um simples ser-telespectador. Contramão. Fogo, terra, água, ar. Elementos, seres, egos, estranhos. São tantos caminhos e regredir é tão anormal. Aceitar rótulos é tão inexplicável. Somos como somos e quem somos. Contemplo e existo, independentemente da minha condição.

Recomeços são caminhos tão ambíguos, às vezes, tão estranhos. Mas, recomeçar é um ato de coragem. Qualquer ato, por mais inútil que seja, é um ato de coragem. Recomeçar é estranho aos olhos daqueles que esperam a aceitação da derrota. Uma palavra não possui apenas um significado, uma ação não possui apenas um reação.

Embora a poeira e a fuligem ainda façam parte do meu corpo, a fé que tenho na humanidade é maior que tudo. Acreditar na humanidade é acreditar em Deus.

Que eu seja.
Que tu sejas.
Que ele seja.
Que nós sejamos.
Que vós sejais.
Que eles sejam.

Amém.

23 de out. de 2013

Rótulos

O volume da tua música, teu sorriso que já não é tão branco. Tua opção sexual atribuída ao demônio. E a tua roupa nova? É original? E as tuas cores, ainda estão na moda? As tuas rugas novas e novos cremes para escondê-las. Quem passou do teu lado, como se chama o rapaz que quase caiu aqui? O teu manequim precisa diminuir, tem academia perto da tua casa. Já pensou em pintar o cabelo? Tuas unhas devem crescer, o rosto sempre maquiado, os pelos dos braços sempre descoloridos. Não esqueça de comprar uma balança. Teu celular já está ultrapassado, parece até telefone fixo. Teus filhos já viram o mais novo notebook? E os vândalos protestando não tem o que fazer? Dá esmola aos pobres? Você diz homossexuais são gente que nem a gente? Se duvidar, fazes parte do clube.

11 de out. de 2013

Bruxuleante

Estava linda sob a luz do poste da rua. Diferente de todas, passou com seu passo leve sem que nenhum homem da rua percebesse a sua presença. Uma energia diferente de todas que já senti. Parecia uma moça dos anos cinquenta, ou trinta. Não precisava de salto para estar elegante, não precisava de nada em um tom chamativo para chamar a minha atenção. Olhava para frente, não me viu. Um jeito inocente e orgulhoso de caminhar. Uma blusa branca e uma saia rodada. Branco e preto. Uma alma que transpirava pureza, cabelos lisos e uma franja no rosto. Apaixonei-me. Caminhava, na calçada, na rua. Seu lado direito iluminado, seu lado esquerdo coberto pela escuridão da noite. Queria ter a coragem de gritar: "Menina, me diz teu nome!" Com o nome dela queria batizar este texto. Com a pureza dela, purificaria o mundo. Com o rosto sério, ensinaria o mundo a valorizar a seriedade na hora certa. Foram poucos os minutos que pude vê-la. Em um segundo iluminada, no outro, ocultada sob a sombra das árvores. Os homens não viram, nem os meninos, nem rapazes. Será que só eu a vi? "Menina, me diz teu nome!" Quero que o mundo saiba da tua existência! Ela mora na mesma rua que eu, poucos metros de distância dos meus olhos. O que fará agora? Ah, como queria saber seu nome. Metade luz, metade trevas. O laranja dos postes, o negro da noite. O negro das tuas sapatilhas, da tua saia, dos teus olhos que não vi bem, dos teus cabelos. Não sorria, mas irradiava beleza. Uma vez só, pronuncie seu nome.

10 de out. de 2013

Duzentos

Pouco mais de um ano de blog e duzentos textos. Contos, poemas, textos sem gênero definido... Nunca pensei que conseguiria voar tão alto e chegar tão longe. Jamais imaginei que gostariam de ler o que escrevo sobre o que sinto, vivo e penso. Eu não sabia que, em uma bela madrugada, criaria algo para pensar em desistir quase todos os dias.

Além de duzentos textos, são milhares de palavras, infinitos sentimentos e milhões de acontecimentos. Com todas essas palavras, posso olhar para trás e ver que todo sacrifício foi válido. Posso até morrer em paz. Sei que com essas palavras serei eterna. Afinal, o maior medo do ser humano é morrer. Porém, sei que lembrarão de mim, mesmo que de um jeito torto. Também posso dizer que sou imatura demais para escrever o livro que tanto esperam. Vivi muito pouco para isso. Quero agradecer aos leitores que comentam, aos que não comentam também. Afinal, sem leitores um escritor não existe. Agradecer também aos meus amores, cada um me matou, cada um me ressuscitou. Enfim, só tenho a agradecer. O resto é solidão.

Que venham mais textos! Até o post (comemorativo) dos trezentos textos.

9 de out. de 2013

Promessas

O que você faria se eu te desse uma flor? 
Se eu te escrevesse um livro 
Te jurasse eterno amor? 
Poderia te escrever 
Contos, poemas 
Receita de liquidificador.

Me diz, tu aceitarias?
Eu deixaria minhas gírias
Deixaria meus acertos
E até meus erros eu aceitaria
Amaria meus erros
Provaria teus beijos.

Esquece, não sei
Se disso tudo gostarias
São palavras
Só palavras
Palavras que tu amarias 
Os únicos tesouros que herdei.


8 de out. de 2013

Parto

Sol em brasa, tarde quente. Corpo morno na água fria, o toque gelado dos pingos e nada mais. Incontáveis obstáculos no meio do caminho, incontáveis pessoas no meio do caminho. O olhar de cada uma delas. O que pensará cada uma delas? Olhar inseguro de mulher quase sozinha, quase vazia, quase transbordando. A tarde quente, cansaço transbordante. Asfalto fervendo, pessoas nascendo, pessoas morrendo. Dores fortes no peito, um sinal de infarto. Dores fortes no abdômen, sinal de parto. Intervalos entre uma contração e outra, pequenos momentos de paz e contato com o paraíso. Vida querendo viver, desespero começando a aparecer... Um telefone a poucos metros, um caminho longo demais para seguir. O grito vindo de dentro como algo libertador, a experiência de, sozinha, ser mãe. A ousadia de - em uma tarde extremamente quente - padecer em um apartamento solitário, de um condomínio sem vizinhos.

Intervalos cada vez menores, medos cada vez maiores. Ousadia de ser algo mais na solidão, na pequenez de um apartamento silencioso. O suor pingando na testa, a força chegando nos braços. A naturalidade do corpo em expulsar aquele estranho-novo corpo. Sem amparo, sem apoio, sem festa ou outros olhares. Apenas a solidão ocupando espaço e tempo, na solidão do mínimo apartamento. A música cada vez mais baixa no rádio. Quem canta, Cazuza ou Chico Buarque?

A tarde cada vez mais quente, suor cada vez mais úmido. A dor persistente e sem intervalos. Tudo fora do alcance das mãos, exceto a criança que está quase chegando. O chão e o suor são as únicas coisas úmidas. Os gritos de dor que ninguém escuta, não há pessoa que acuda. Quase sem forças. De tanto sentir a dor, já estava acostumando... A dor parecia ocupar mais espaço naquele apartamento, diminuindo a solidão da mulher sofrendo. A dor ocupando mais espaço, enchendo a sala, aproximando-se do telefone, afastando-se dele. A dor simples, correndo por todos os cantos desvendando todos os objetos. A dor cumprindo o seu papel em uma tarde em brasa.

De tanto sentir a dor e toda sua imensidão, transformou-se em delírio. Delírio quase grito, o fim quase no início. O suor de tão gelado transformou-se em fogo. A tarde deixando de ser quente, a dor deixando de doer, o delírio esquecendo de delirar. Apenas mais um grito profundo. Um sorriso.

5 de out. de 2013

Proximidade

Postado em: Amiga da Leitora.

Lápis desapontados, pintando as mesmas coisas pintadas há séculos atrás. O não pertencer ocupando espaço, solidão esvaziando o espaço vazio. E nesse calor infernal junto do frio glacial, ando tão irracional. Eu algum canto da cidade vive a outra metade da minha alma, dormindo para não ver o amanhã amanhecer. Escondendo as dores nas entranhas da alma, nas cicatrizes do corpo, no fechar e abrir das pálpebras. Meu amor copiando tantos outros. Eu simplesmente a repetir, nesse círculo vicioso, dessa vida viciada. Gritando meus medos aos surdos. Lágrimas rolando secas, tão secas quanto o asfalto ao meio-dia. Nós por todo o corpo. O corpo sentindo falta do outro, do ouro de outro corpo. O ouro que é a ação da gravidade entre dois corpos.

Afastam-se. Esgotam-se. Sonhar é carregar o mesmo peso de agir. Simples gotas d'água caindo no corpo morno, quente por causa do sol. O frio da alma permanece, como um aviso de destino, de morte. As mãos deslizando pelas curvas frias, úmidas de uma umidade quase inventada. Sem portas batendo, ou gritos longínquos. Apenas um verão infernal, invernal. A liberdade de quem desfaz-se das roupas em uma tarde de calor e, no simples ato da entrega ao nada, sentir esse nada tomando conta dos espaços existentes e inexistentes. Contemplando o mundo feito criança abismada, feito gente entusiasmada.

Algo transparente como água saindo das mãos, como um rio puro. Um rio de pureza do corpo experiente, do corpo... O controle descontrolado, as ordens, ordens, ordens. E de serem tão ordenadas, transformaram-se em ecos. Ordens, ordens. Feito oração para expulsar a maldade. Feito mantra para encontrar a alma no seu desencontro. Algo brotando feito árvore firme. Amor? Ah, andam todos tão cansados de amar que tenho medo. Aqui, amando minhas coisas e amando-as para que o mundo não as ferisse. O ato da perda, a falta da insignificância de outro corpo próximo, de outra troca por perto. Era como estar em algum lugar desconhecido, incapaz de mover-se. O sopro sessava em sua mente e sentia que apagaria em poucos segundos. Tudo estava acabado. Nada de socorro imediato.

Os gestos, ações. Cobranças de fidelidade, lealdade, simplicidade, ingenuidade. Como se resgata uma alma perdida? O rosto bem delineado, de linhas retas, formando um contorno perfeito. O olhar digno de anjo, tamanha era a sua incerteza. O corpo obedecendo, convertendo-se em máquina programada por algum fabricante desconhecido em países estranhos. Mãos menores, o corpo frágil, o juramento da eterna proximidade. Vontade de ser...

Tudo escapando das mãos ao menor sopro. Sopro para que tudo se afastasse, o lugar deveria ser do próximo merecedor de tamanha liberdade falsa. A suada despedida entre alguns, entre outros e todos. Possibilidade de incompatibilidade. Falta de exatidão.

4 de out. de 2013

Metamorfose

Tudo mudando, o medo permanecendo
O amor buscando, visualizando...
A vida acordando e 
Adormecendo
Sorrindo, fingindo.

Vontade chegando e passando
Acabando
Eternizando
Finalizando
Expressando.

Essa vontade de sair vomitando
O que está matando
O que está maltratando
O que está humilhando.

Vivendo.