23 de out. de 2012

Telespectadores

      Era mais uma noite de julho, as luzes da rua estavam queimadas. Não havia acontecido nada de extraordinário até então. Até que um estrela caiu, porém, há muitos anos eu não fazia pedidos. Mesmo com pouca idade eu já tinha uma mentalidade de escritora, já não via tanta inocência no mundo. Eu sofri muito com essa fase, mas as coisas sempre podem piorar. E pioraram.
      O motoqueiro surgiu na minha vida depois das 22:00 h, numa noite estrelada e para nunca mais sair. Tatuado, com um olhar profundo, com muitos sorrisos. Ora parecia um anjo, ora um demônio. Amante do perigo, impulsivo e um pouco descontrolado. Esse era ele, com seus 31 anos muito bem sofridos. De imediato ele não me encantou, não encantaria ninguém. Eu zombava dele, o desprezava. Mas, o tal olhar profundo guardava algo familiar. Algo que eu não descobri de cara.
      Mas eu o conheci, despi sua alma, deixei-o transparente aos meus olhos. Imundo, ele era imundo. Tinha uma alma carregada e uma mente culpada. Cheio de remorsos, remorsos inúteis. Traumatizado, ele carregava um coração cheio de traumas incuráveis. Eu nunca havia sentido tanta vontade de curar alguém, mesmo que nada pudesse fazer. Ele choraria com qualquer afago, então eu evitei aproximações.
      Ele me trouxe muitas decepções com os atos por ele cometidos. Eu o perdoei por ter aquele passado. Eu o amava, descobri tardiamente. Já não consegui afastá-lo. Correspondi os sorrisos dele com uma doçura que eu nem imaginava ter. Minha voz mudava com a aproximação dele, como disse Balzac: "O amor já está no tom de voz, muito antes que seja confessado pelo olhar." Sim, minha voz mudava. Se tornava doce, baixa, uma voz de ouvir e sorrir imediatamente. Maldito tom de voz.
      Não era uma máscara, nem jogo de duas caras, era uma mudança de estado de espírito. Com ele, minha alma ficava em estado de graça. Ele também se transformava, era uma espécie de comunicações de pensamentos. Comunicação alienígena. Era estranho, ainda é.
      Os poucos que sabiam da história julgavam como amor de outras vidas. Eu pensei na hipótese, mas, não acreditei. O que eu mais fiz depois de conhecê-lo foi pensar. Mudei conceitos, reformulei pensamentos e passei tudo para um papel. Ele foi o meu maior impulso para começar a escrever, eu já possuía o dom, só faltava a inspiração. Por isso que eu nunca o odiarei, mesmo que já tenha tentado.
      Assim como no início, eu continuo evitando aproximações. Os anos passaram, cada um tomou seu rumo. Um cuidando do outro, seja por pensamentos, orações, o que for. Claro que o amor ainda existe, só que amadureceu. Mas, está bom assim. Nós dois estamos contentes como telespectadores, cada um na platéia da vida do outro.

4 comentários:

  1. Texto lindo, mas com um final triste. Eu pensei que a moral ia ser que por mais que a pessoa seja estranha e todos recriminem, o que vale é o amor, ai no final eles estão separados mas beleza hahaha

    http://annadecassia.blogspot.com.br

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    1. Obrigada! Mas, finais felizes não me agradam. Eles não existem.

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  2. Não, finais felizes inexistem. Mas, as coisas podem ser sempre surpreendentes, Glen. Tu sabes como amei este texto. *-*

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