2 de jul. de 2013

Natália



Natália vivia da ficção, com passos leves e vestidos com uma leve transparência. Parecia vestir a própria alma. Era triste por si mesma, por causa de todas as outras almas tristes. Tudo ia e voltava, tudo. "Tudo". Era um ciclo vicioso de aceitação. Era magra, disfarçava sua magreza com a fragilidade. Os olhos sempre diziam algo mais. Seu olhar sempre prendia o olhar dos outros. Parecia necessitar de outros olhares presos ao seu. Era mania, rotina. O ciclo vicioso continuava com seus vícios. Ela também tinha os seus vícios. Ou não poderia ter?

Natália, era sempre tão triste. Incompreendida. Toda a tristeza do mundo parecia morar nela. Ali, naquele corpo que ia e vinha. Lágrimas rolavam pela face dela, todos diziam que ela chorava sem motivo algum.

Os cabelos ao vento e o violão nas costas. A alma frágil parecia forte, mesmo que triste. Roupas negras e sem transparência banhavam o corpo frágil, ela parecia emanar uma força extrema. O calor do sol parecia com o calor dela. Ela estava em um processo de luto sem mortos. Me olhava com tamanha força, com aquele par de olhos castanhos.

Alguns dias depois ela estava com um vestido branco. Prendeu meu olhar no olhar dela, parecia decidida. Estava lendo um de seus livros, mas parecia tão decidida. Mudava de expressão conforme os acontecimentos do livro. Era um dia frio. E na parada de ônibus, apenas nós dois. Depois de alguns minutos, o ônibus que ela esperava chegou. Natália pegou sua bolsa e deixou no banco da parada seu livro. Me olhou com aqueles olhos castanhos. Eu até levantei para entregar-lhe o livro. Mas ela sorriu. Foi a primeira vez que eu a vi sorrir. Pensei que ela estava deixando aquele livro comigo e que depois eu a entregaria. Afinal, sempre nos esbarrávamos na rua da casa dela. O livro tinha um marcador na última página, nele estava escrito: "Os sonhos vêm e os sonhos vão. E o resto é imperfeito". Por anos a esperei, quis encontrá-la. Ficou em mim a imagem do seu sorriso naquele dia frio e o olhar sempre prendendo outros olhares. Era um tipo de sedução estranha. Por anos a vi voltar naquele seu vestido branco para pegar o livro.

Aquele dia frio foi o último. Nunca mais a vi.

5 comentários:

  1. Lindoooooooooooooooooo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! É inspirado na música do legião?!

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    1. Obrigada! Então, em partes, me inspirei com as músicas que cito. Mas me inspiro MUITO na pessoa do Renato Russo, no que ele era. Quem tiver um pouco mais de atenção, perceberá que ele está presente em muito do que eu escrevo. A tristeza e o olhar inconfundível da Natália são características inspiradas por ele. Mas não apenas no Renato. O texto é uma espécie de colagem das pessoas atuais, de mim mesma.
      Nem uma declaração de amor minha será apenas para a pessoa amada, rs.
      Beijos!

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  2. Imagino que vc tenha escolhido o nome dessa tua personagem por causa da música do Legião, de quem vc é tão fã e a quem refere no próprio texto. De todo modo, deixou-me algo emocionado encontrar nele uma xará do meu romance "A Esquina", que, vc sabe, estou escrevendo em meu blog. E, uma vez mais, minha amiga, um trabalho lindíssimo! Adoro esse clima que vc cria de uma desesperança poética meio "noir"...!
    GK

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    1. Sim, inspirei-me na música para batizar essa personagem. E fico muito feliz por esse "encontro de personagens", o mundo da escrita também é pequeno. :) Ah, e a desesperança está presente nos dias atuais, as pessoas parecem desesperançosas. Então, eu acabo trazendo isso para o que eu escrevo.
      Obrigada.
      Beijos.

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  3. Eu quis dizer... "uma xará da personagem principal do meu romance "A Esquina"".
    GK

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