7 de jul. de 2013

Denise



Refletido no espelho, o olhar sensual. Olhar que já hipnotizou demais outros olhares. E dentro do quarto cheio, só a solidão preenche o vazio. Preenche os cantos habitados apenas pela poeira. E o olhar de nada lhe servia. Na verdade, tudo o que sentia era uma grande falta. Falta de algo, de alguém. Tudo era sempre monótono e repetitivo. Todos iam embora, todos conseguiam suas desculpas, só ela parecia ser sentimental. E junto com a  solidão ela fumava um cigarro na janela. Sentou-se na janela, sem medo algum. Era só o primeiro andar, uma queda não seria fatal. Já tonta de fome, ela fumava o cigarro e não sentia coragem de ir até a cozinha para comer algo. Era um desânimo que agora aparecia com uma certa frequência.

Fosfeno. Ofegante. Tosse. Vento. Fumaça. Sopro. Fome. Saudade. Solidão. Falta. Vento. Sopro.

Falta da companhia que nunca existiu. De nada adiantava a sensibilidade. Não adiantava a capacidade de escrever versos e sonetos. Era inútil. Uma moça que foi criada acreditando em princesas. Sua mãe era tão inocente, seu pai era tão distante. Mas tivera a companhia deles em todos os dias de sol, em todos os dias de chuva de sua infância. E também da adolescência. Um pai ciumento e uma mãe ingênua. Foi tudo tão rápido. De repente ela já estava morando sozinha e os pais mortos. Há muito tempo os dois dormiam na paz daquele silencioso cemitério. Acidente de carro. Maldito acidente. Passado, passado. Já passou, voou para longe e agora está tudo muito distante. Agora era apenas a solidão. Os pais não poderiam mais atender suas ligações, nem iriam ler suas cartas. Sua letra apressada de quem escreve feliz, dizendo: "Mãe, tenho um namorado. Estou tão feliz. Ele é o que você chamaria de um bom rapaz. Tentarei ir aí com ele no fim do ano." Depois a caligrafia era caprichosa e demasiadamente legível. Estava triste. Mas disse que assim escreveria melhor.

E agora, naquela janela. Deitada como quem não está ali. Apenas um corpo sem alma. A alma agora viajava em terras distantes e estranhas. Depois de voltar, via que a rua estava movimentada e que não era muito seguro ficar ali. O vento soprava sereno e frio. Como um abraço que alguém nos dá e que nunca mais desaparece. A noite continuava, reinava. Na vitrola, um disco de música clássica. Na vitrola, uma vã tentativa de conseguir calma e força. O cigarro já estava pequeno demais e a carteira com outros cigarros também estava longe demais. O telefone não tocava, não queria que tocasse. E ao mesmo tempo queria. Tudo tão estranho. Os livros ali, amontoados, e nenhuma coragem de ler. A música rolava. A rua agora estava bem mais calma, a madrugada começava. Todas as lojas já estavam fechadas e as lanchonetes fecharam um pouco depois da meia-noite. Agora os pobres empregados guardavam as últimas mesas, daqui a pouco a rua voltaria ao que ela achava normal. A calma silenciosa da falta de pessoas por ali. Depois de virar o rosto para soprar a fumaça, Denise viu que um homem a observava na casa da frente. Estremeceu, mas estava fraca demais para ter medo. Deslizou a perna já dormente pela lateral da janela. Fumava, fumava. A fome finalmente passou. Já passavam das duas e ela continuava na janela, um lugar nada confortável. O homem continuava observando a figura da mulher que volta e meia esticava as longas pernas.

Era linda. Juliano já não aguentava apenas olhar. Continuava linda, da mesma forma de quinze anos atrás. Ela me viu e continua lá. Não sei se ainda me reconhece, se ainda me...

Denise deixava que o pensamento voasse. Lembrou que há algumas semanas havia sonhado com Juliano, ele estava estranho, com o rosto todo marcado. Mas ela o beijava como nunca havia feito. Um sonho. E por longos meses ele a odiou. Era a única que o rejeitara. E sem ela, o mundo dele desmoronou. Tornou-se apenas mais um rapaz como os outros. A carteira de cigarros já estava pela metade, quando Denise ouviu alguém chamar baixinho o seu nome. Era Juliano, lá embaixo. Era ele que a observava, ainda bem. Quinze anos se passaram, mas ele tinha a mesma voz, o mesmo cheiro. Um amor não realizado. Ela não disse muito. Apenas jogou a chave do apartamento para ele e o mandou subir. No tempo em que ele subia o lance de escadas, Denise foi tirando as várias blusas que vestiu para mascarar o frio. Agora a chave já abria a porta. Juliano a chamou, ela respondeu apenas para que ele conseguisse achar o quarto através da sua voz.

Não era hora de falar. Não preciso de explicações. O frio já não existia. O passado queria retornar, mas ele já existia. Juliano queria falar sobre o passado. Denise resolveu que a melhor hora para realizar o passado era agora. E o apartamento silencioso, encheu-se dos primitivos sons do amor só agora realizado.

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