18 de jul. de 2013

Depois do campo de batalha


Há muito tempo fui enganado. Eu era criança, meu pai me enganou e manipulou minha mente tão pura e inocente. Eu era um menino sensível, que gostava de todos os pequenos prazeres da infância, das comidas de minha avó; era também muito inteligente, escrevia pequenos poemas aos oito anos. Fui muito feliz quando criança, morando na capital de uma grande cidade e passando as férias no interior. Era tudo normal, eu poderia ter seguido qualquer profissão. Um bancário, músico, escritor, jornalista ou vendedor. Ah, como eu tenho vontade de zombar da minha inocência. Mas não posso culpar meu pai. A sociedade é igualmente culpada. Nós fomos inocentes. Agora sou um velho traumatizado, ferido, com um coração quase petrificado. Essas são as consequências de uma guerra.

Meus dezoito anos! Meu pai disse que seria um marco, um triunfo na minha vida! Nunca me apaixonei, não seria mais um daqueles soldados que vão servir o Exército e deixam partido o coração de uma moça. No meu quarto, apenas fotos de soldados, todos organizados e perfeitamente vestidos. Pareciam até com bonecos, de tão grande perfeição que demonstravam. Nunca soube ler as entrelinhas, eu seria como um daqueles em poucos meses. Em breve enfrentaria outros soldados, meu superior o nomearia como inimigo, só me restaria matá-lo. Era simples, era igual aos jogos de tiro que ganhei de aniversário.

Treinamentos, suor, determinação, força, estratégia. Zombaria, preconceito, ódio, frieza, manipulação, emboscadas, crucificação. Coragem, método, pontaria. Falta de sentimentos, de alma, de sensibilidade. Poeira, lama, suor, sangue, ferimentos, frio, gritos, tiros, morte.

Guerras estouravam por todos os lados. Todos os que eu julgava como pessoas boas eram demônios. Todos os velhinhos sorridentes e aparentemente ingênuos eram demônios. Demônios frios e calculistas surgiam de todos os lugares. Foi aterrorizante descobrir quem realmente eram os poderosos em quem o povo confiava. Foi aterrorizante descobrir todo o lamaçal que é o mundo. Na guerra eu fui ferido, vi meus amigos ficarem com sequelas eternas, vi amigos morrerem. Matei muitos, matei amigos de outros soldados. Mas eram inimigos, todos eram malditos imundos que eu deveria exterminar. Toda a perfeição dos soldados só morava em fotos. Era uma terra de loucos. Senti-me soldado do próprio Hitler, acho que todos nós éramos soldados dele. Tínhamos a mesma crueldade. Eu fazia as mesmas coisas de que me horrorizava. Fui apenas mais um bonequinho de chumbo das cópias de Hitler. Não vi beleza nenhuma nos campos de batalha. Voltei quase louco, traumatizado. Nunca conheci o amor, depois de tudo o que fiz e vi acontecer, desisti de ter sentimentos. Casei-me por obrigação, afinal, sempre fui brinquedo de meu pai. Nunca amei minha esposa, tive apenas um pequeno afeto pelos meus filhos, o mesmo que tenho pelos meus netos. Meus netos também inocentes, admiram as medalhas que ganhei. Só imagino o quão horrorizados eles ficarão ao saber que ao invés de um herói sem uma perna, sou um assassino. Um assassino que, após receber um uniforme calculadamente costurado, tem carta branca para matar.


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