18 de set. de 2013

As moças

Originalmente postado em: Amiga da Leitora

Our steps will always rhyme,
You know my love goes with you

As your love stays with me,
It's just the way it changes
Like the shoreline and the sea.
[...]
Hey, that's no way to say goodbye.
- Leonard Cohen


Tudo no lugar, limpo, sem os grãos de poeira que ainda te viram aqui. Só o cheiro do seu perfume ainda está aqui, maldita a hora que quebrei a primeira coisa que tinha perto das mãos. Até as formigas parecem mais lentas depois que você se foi. Sexta-feira, meio-dia, você andando de uma ponta a outra do quarto, esfregando as mãos. Até que eu, preocupada, como quem não quer nada, acendo um cigarro, largo o livro e puxo conversa.

   - O que houve? Você está estranha, preocupada, quase sufocando... Quer conversar?

Silêncio. O gato quebra mais um prato na cozinha. Nenhuma voz. Duas moças caladas em um apartamento que as duas decoraram, há cinco anos atrás. Lísia ainda fumava, pés descalços, soltando fumaça pela boca como alguém superior, alguém que quer respostas. Luísa estava parada, olhando Lísia fumar, vendo o corpo delineado da moça suando de tanta expectativa. Lísia era a mesma, atrás dos óculos vermelhos, do sorriso que não mostra os dentes, do livro nas mãos, do riso musical e escandaloso; tímida, com cara de misteriosa, algo que realmente era, já que ela parecia ser um mistério indecifrável. Luísa era mais baixa, com um corpo de brasileira, como dizem por aí; sorria sem medo, odiava cigarros, mas adora ver sua moça fumando na janela, provocando-a com a maior naturalidade do mundo. Nomes quase iguais, idades iguais e signos que não possuíam compatibilidade.

   - Luísa, fale. Você está assim há um bom tempo. Eu posso te ajudar, você sabe disso.
   - Como, se você é o problema?
   - Foi algo que eu fiz? Algum rapaz que fiquei? Você sabe que aquele rapaz não significa mais que você, nunca estive apaixonada por ele!
   - Seus ficantes nunca me incomodaram, você sabe. Você sempre foi livre para amar quem quisesse e até acho isso bonito. Te conheci assim, te quis assim. Só que eu não aguento mais te olhar e te esconder a verdade, te vejo tão inocente, com um short destruído da época da sua adolescência, com esse olhar puro de quem sabe tudo, com esses cachos presos, com livros nas mãos... Acabou-se o amor que eu tinha por ti. Não sei explicar! Há tempos eu finjo que ainda te gosto, mas só te vejo como um enigma bonito de se ver. Você é admirável, mas eu não te admiro mais. Morreu algo que eu queria eternizar.
   - Eu nunca dei sorte para o amor. Não sei qual milagre te trouxe para os meus braços... Duramos muito, até. Não é?

E não era. Lísia chorava um pranto infantil, apagou o cigarro com os dedos. O fogo queimou os dedos da mão esquerda, mas não doía. De repente, começou a prender os gritos que vinham junto com as lágrimas, o choro não era mais infantil. Com ódio nos olhos, fitou Luísa como se fosse matá-la, quebrou um vidro de perfume na parede e disse o maior número de palavrões que conseguiu. Era uma dor nova, sufocava. Era pior que respirar pela primeira vez ao nascer. Mas decidiu parar de chorar, passaram-se horas. Lísia caída, tentando juntar seus pedaços. Luísa calada, de pé, esperando aquela moça falar alguma coisa. O choro de Lísia cessava, ela saiu da cadeira, vestiu uma blusa e colocou o celular no bolso.

   - Vá, Luísa. Você é tão livre quanto eu, quanto qualquer pessoa. Ainda te amo, vai demorar um tempo para acostumar com a ideia de estar sozinha aqui. Eu que sempre adivinhei tudo, que sempre li as entrelinhas dos teus gestos, eu que... Eu não desconfiei do amor morto que você carregava na alma, carregava-o como a mãe carrega o filho morto no ventre, esperando que ele renasça. Vá, mas por favor, volte logo se descobrir que foi engano. E não me procures mais se o fim foi verdadeiro. Ligue quando já estiver um pouco longe daqui, só voltarei quando não estiveres mais. Não quero assistir a última cena da peça que escrevemos. Foi maravilho enquanto existiu amor.

Luísa permaneceu calada, apenas confirmou com a cabeça tudo o que Lísia dizia. Era dolorido ver aquela menina pela última vez, naquela situação, chorando por todas as dores do mundo. Era só mais um amor que chagava ao fim e isso era normal demais. Lísia que sempre foi exagerada em tudo... Em breve, outra moça estaria ali, ocupando os mesmos cômodos, ou um rapaz. Ou ninguém. 

O celular de Lísia não tocou naquela tarde, nem no dia seguinte. Só na noite de domingo Lísia teve coragem de voltar. E sim, ela havia ido embora. Metade do guarda-roupa estava vazio, faltavam livros na estante, o vidro de perfume continuava estilhaçado no chão. Nada de cartas ou bilhetes, apenas a partida fria de quem já amou demais.

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