8 de out. de 2013

Parto

Sol em brasa, tarde quente. Corpo morno na água fria, o toque gelado dos pingos e nada mais. Incontáveis obstáculos no meio do caminho, incontáveis pessoas no meio do caminho. O olhar de cada uma delas. O que pensará cada uma delas? Olhar inseguro de mulher quase sozinha, quase vazia, quase transbordando. A tarde quente, cansaço transbordante. Asfalto fervendo, pessoas nascendo, pessoas morrendo. Dores fortes no peito, um sinal de infarto. Dores fortes no abdômen, sinal de parto. Intervalos entre uma contração e outra, pequenos momentos de paz e contato com o paraíso. Vida querendo viver, desespero começando a aparecer... Um telefone a poucos metros, um caminho longo demais para seguir. O grito vindo de dentro como algo libertador, a experiência de, sozinha, ser mãe. A ousadia de - em uma tarde extremamente quente - padecer em um apartamento solitário, de um condomínio sem vizinhos.

Intervalos cada vez menores, medos cada vez maiores. Ousadia de ser algo mais na solidão, na pequenez de um apartamento silencioso. O suor pingando na testa, a força chegando nos braços. A naturalidade do corpo em expulsar aquele estranho-novo corpo. Sem amparo, sem apoio, sem festa ou outros olhares. Apenas a solidão ocupando espaço e tempo, na solidão do mínimo apartamento. A música cada vez mais baixa no rádio. Quem canta, Cazuza ou Chico Buarque?

A tarde cada vez mais quente, suor cada vez mais úmido. A dor persistente e sem intervalos. Tudo fora do alcance das mãos, exceto a criança que está quase chegando. O chão e o suor são as únicas coisas úmidas. Os gritos de dor que ninguém escuta, não há pessoa que acuda. Quase sem forças. De tanto sentir a dor, já estava acostumando... A dor parecia ocupar mais espaço naquele apartamento, diminuindo a solidão da mulher sofrendo. A dor ocupando mais espaço, enchendo a sala, aproximando-se do telefone, afastando-se dele. A dor simples, correndo por todos os cantos desvendando todos os objetos. A dor cumprindo o seu papel em uma tarde em brasa.

De tanto sentir a dor e toda sua imensidão, transformou-se em delírio. Delírio quase grito, o fim quase no início. O suor de tão gelado transformou-se em fogo. A tarde deixando de ser quente, a dor deixando de doer, o delírio esquecendo de delirar. Apenas mais um grito profundo. Um sorriso.

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